Apuração de São Paulo ignorou problema no Rodoanel

Corregedoria do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não identificou suspeitas em projetos, ao contrário da PF

Mario Cesar Carvalho
São Paulo

Na mesma época em que a Polícia Federal começou a investigar as suspeitas de superfaturamento e outras irregularidades no Rodoanel Norte, em março de 2016, a Corregedoria Geral da Administração do governo Geraldo Alckmin (PSDB) também entrou no caso.

Mais de dois anos depois, a PF conseguiu que a Justiça decretasse a prisão do ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande e de um ex-diretor da estatal, o engenheiro Pedro da Silva. Já a corregedoria não chegou a lugar algum.

O ex-secretário do governo Alckmin (PSDB) Laurence Casagrande Lourenço, denunciado pelo Ministério Público Federal
O ex-secretário do governo Alckmin (PSDB) Laurence Casagrande Lourenço, denunciado pelo Ministério Público Federal - Alberto Rocha/Folhapress

Os dois estão presos desde 21 de junho sob a acusação de terem participado de esquema que resultou num prejuízo de R$ 480 milhões ao Estado, segundo denúncia força-tarefa da Lava Jato em São Paulo.

O caso do Rodoanel Norte não é exceção. Desde 2015, não houve recomendação de punição na Dersa, estatal responsável pela infraestrutura rodoviária no Estado que é citada por mais de uma dezena de delatores da Lava Jato como um foco de corrupção.

Outra empresa pública mencionada por delatores da Lava Jato, o Metrô, teve só uma recomendação de punição no mesmo período, por incompatibilidade entre seus ganhos e patrimônio.

Foi o caso de Sérgio Brasil, ex-diretor do Metrô, que só no caso da linha 5 foi acusado pela Camargo Corrêa de ter recebido uma propina de R$ 2,5 milhões.

O Metrô nem conseguiu demitir Brasil porque ele já deixara a empresa em dezembro de 2016, em um programa de demissão voluntária, enquanto a sugestão da corregedoria chegou em julho de 2017.

Criada em 1985 e reformulada em 2011 por Alckmin para fiscalizar os atos do funcionalismo, a corregedoria paulista difere da sua similar federal, a CGU (Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União) em questões fundamentais.

Enquanto a CGU tem poderes para punir e expulsar funcionários envolvidos em corrupção, a corregedoria paulista só pode recomendar sanções a funcionários a um órgão ou empresa pública. O órgão então decide se aplicam ou não a punição.

A corregedoria nem fica sabendo se o órgão aplicou ou não a punição recomendada. O governo também não tem um órgão que centralize as punições, diferentemente do que ocorre com a CGU, que publica mensalmente na internet as punições.

Por conta dessa falta de controle, ninguém no governo ou na corregedoria sabe o que aconteceu com as 774 recomendações de punição feitas desde 2015 em processos disciplinares.

Outra diferença essencial entre a CGU e a corregedoria é que o órgão federal tem status de ministério e seus investigadores têm carreira própria, enquanto sua versão estadual é ligada à Secretaria de Governo e depende de quadros da Polícia Civil e da Polícia Militar para investigar.

Com 31 corregedores, o órgão estadual não tem orçamento.

A Transparência Internacional propôs num pacote de medidas anticorrupção, feito em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, que as corregedorias estaduais aliem as atividades de ouvidoria e controladoria, sejam autônomas e recebam condições materiais para fiscalizar.

A corregedoria paulista não tem poderes para quebrar o sigilo bancário ou telefônico dos investigados, mas pode apurar a partir de dados públicos.

Foi assim que o órgão chegou á conclusão de que o patrimônio do ex-diretor do Metrô Sérgio Brasil era muito superior aos seus ganhos.

No caso do Rodoanel Norte, havia um caso similar ao do ex-diretor do Metrô, mas o órgão não conseguiu chegar à mesma conclusão do que a PF: a de que o ex-diretor da Dersa Pedro da Silva tinha um pacote de suspeitas de enriquecimento ilícito.

Um dos dados que permitiram à PF chegar a essa conclusão era público: Silva teve quatro empresas muito rentáveis, cujos registros estavam na Junta Comercial.

A outra informação dependia de quebra de sigilo bancário: o ex-diretor havia movimentado R$ 50 milhões em suas contas em quatro anos, um valor incompatível com o salário de engenheiro.

OUTRO LADO

A Corregedoria Geral da Administração diz ter recebido as suspeitas sobre o processo de construção do Rodoanel Norte do ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande, em março de 2016.

Ouviu 16 pessoas, pediu à PF para que as provas obtidas pela polícia fossem compartilhadas, mas recebeu uma negativa.

Nota da assessoria de imprensa do órgão diz que "a CGA, em virtude de sua natureza administrativa, possui limitações de investigação se comparada a outros órgãos, como a Polícia Federal. Entre elas está a impossibilidade de decretar quebra dos sigilos telefônico e bancário".

Procurados pela reportagem, o governo do Estado e a campanha do ex-governador Geraldo Alckmin, candidato à Presidência pelo PSDB, não quiseram comentar.

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