Descrição de chapéu Eleições 2018

'Corrida do ouro' das doações tem maquininha e reconhecimento facial

Candidatos usam sistema de arrecadação habilitado pela Justiça Eleitoral, mas há risco de fraude

Joelmir Tavares
São Paulo

Noite de terça-feira num bar em Pinheiros (zona oeste). Uma maquininha de cartão de crédito passeia entre as mesas, e não é para pagar a conta da cerveja. O esquema é: dê o quanto puder e ajude a eleger um deputado federal.

Na primeira eleição em que o financiamento coletivo é regulamentado pela Justiça Eleitoral, tecnologias passaram a ser oferecidas para políticos que querem levantar fundos e ficar em dia com as regras de legalidade e transparência.

Pré-candidato do PPS à Câmara dos Deputados, o economista Humberto Laudares, 38, reuniu no bar um grupo de 25 possíveis apoiadores para um papo sobre renovação política e, no fim da fala, lançou a sugestão sobre contribuições.

"Aceita vale-refeição?", perguntou um gaiato, vendo a maquininha. O aparelho é adaptado para recolher dinheiro conforme as normas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Basta digitar CPF, valor da doação e senha. O recibo já sai com os dados que o candidato tem de declarar à Justiça. "Tínhamos essa tecnologia antes da regulamentação. Está dando certo porque é tudo muito seguro", diz Daniel Callirgos, CEO da Apoia.org.

Candidato Humberto Laudares coleta doação eleitoral com maquininha de cartão num bar
Candidato Humberto Laudares coleta doação eleitoral com maquininha de cartão num bar - Karime Xavier /Folhapress

Outras empresas de coleta trabalham com um aplicativo que simula o visual da maquininha, mas precisa ser instalado em celular ou tablet.

A rodada de Laudares no bar terminou com cerca de R$ 1.500 arrecadados. No lançamento da pré-candidatura, em junho, ele conseguiu R$ 12 mil usando a máquina.

O TSE credenciou 51 empresas de financiamento coletivo. As plataformas serão responsáveis por repassar a contabilidade da arrecadação. A Justiça fará a fiscalização contra fraudes e lavagem de dinheiro.

A maior preocupação é que haja problemas como o uso do CPF de laranjas, para esconder contribuições ilegais.

Em nome da segurança, a Voto Legal, com 48 candidaturas cadastradas até agora, adotou um sistema de reconhecimento facial para o eleitor que faz a doação via boleto, considerada mais vulnerável a fraudes do que a feita com cartão de crédito ou débito.

Quando a pessoa opta por emitir a guia, o sistema pede para ter acesso à câmera para identificar se é uma pessoa de verdade –o usuário tem que responder a ordens, como sorrir ou fechar os olhos, para confirmar que é real.

Outra funcionalidade que o site lançou foi o blockchain. Com a tecnologia, a mesma usada por criptomoedas, os dados digitais das doações podem ser blindados contra violação de terceiros. "É uma forma de fazer a demonstração de contas com completa autenticidade", diz Thiago Rondon, CEO da Voto Legal.

Entre as plataformas mais usadas pelos políticos até agora estão Um a Mais, ApoiaBR, Doação Legal, Democratize, Fundii e Confia Brasil, além da Apoia.org e da Voto Legal.

"Criou-se uma grande corrida do ouro com esse novo mercado", afirma Téo Benjamin, da consultoria Bando, que está orientando campanhas como a da presidenciável Marina Silva (Rede).

"Mas é preciso ver com cautela o boom de plataformas. Pode haver empresas que não sejam sérias e acabem prejudicando os candidatos", diz. O Bando só orienta campanhas, sem executar a coleta.

Além de cobrarem um preço pelo serviço, as empresas de coleta lucram com taxas a cada doação, que variam de 6% a 9% a cada transação.

"Tem empresa sem condição de coordenar a arrecadação e de fazer a prestação de contas com o nível de lisura exigido", diz Antônio Andrade, da Um a Mais, que opera a arrecadação da candidatura do ex-presidente Lula (PT).

Para Andrade, a Justiça Eleitoral deveria adotar mais rigor na habilitação das plataformas. A homologação requeria apenas informações básicas, como número do CNPJ.

O TSE admite não ter como monitorar a idoneidade e a capacidade financeira das empresas autorizadas.

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