Delator acusa médicos de sabotarem cirurgias no Rio

Segundo executivo de empresa, esse expediente era utilizado caso não houvesse o pagamento de propina

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Rio de Janeiro

O principal executivo da empresa alemã Maquet no Brasil, Norman Gunther, afirmou em acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal que médicos das redes pública e privada do Rio de Janeiro sabotavam cirurgias caso não recebessem comissões pelo uso dos equipamentos da empresa.

A prática, segundo ele, tinha como objetivo retirar o produto do mercado. Ele afirmou ter ouvido relatos sobre operações mal feitas com o objetivo de prejudicar um determinado fabricante.

“Se não fosse paga a comissão, os médicos não permitiriam a compra dos produtos e, possivelmente, poderiam sabotar a cirurgia. Ou seja, utilizar o produto de forma incorreta para prejudicar o fabricante e retirá-lo do mercado, podendo até matar o paciente”, afirmou Gunther aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Suspeito chega à sede da Policia Federal no centro da cidade, na Operação Ressonância
Suspeito chega à sede da Policia Federal no centro da cidade, na Operação Ressonância - Fabio Teixeira / Folhapress


Ele não deu exemplos concretos da má utilização dos produtos. Afirmou apenas “que já ouviu relatos sobre essa prática”.

Gunther foi um dos delatores cujas revelações culminaram na Operação Ressonância, que investiga a participação de multinacionais num esquema de cartel em licitações da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro e do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia).

Além das fraudes às licitações, o executivo da Maquet relatou as comissões pagas a médicos pelo uso de determinados produtos. Uma lista de cerca de 150 profissionais foi entregue ao MPF.

Ele afirmou que as comissões giravam em torno de 10% a 20% do valor do produto. Nos últimos dez anos, o executivo estima que a empresa gastou R$ 30 milhões com esse tipo de prática.

O pagamento era feito pela empresa alemã por meio de emissão de notas frias a firmas de fachada. Essas tinham como única função repassar a verba para o médico.

“A maior parte desses pagamentos ocorreu no setor privado, mas também aconteceu no setor público”, disse Gunther.

A Maquet é especializada em equipamentos como sistemas de anestesia e instrumentos médicos para cirurgia cardíaca e vascular.

O executivo alemão afirmou que a empresa decidiu interromper o pagamento de comissões a médicos em 2016, por recomendação do setor de compliance (conformidade) da firma. 

Segundo ele, após o fim dos pagamentos, a Maquet perdeu cerca de 60% do mercado.

A Maquet firmou acordo de leniência com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). 

Ghunter também fechou delação com o MPF. Pelo acordo, ele concordou em pagar R$ 8 milhões de multa e indenização. 

O previsto no documento, assinado em abril, é que ele fique um ano em regime domiciliar fechado no Brasil.


Deflagrada em 4 de julho, a Operação Ressonância aponta que a lista de compras no Into era feita de acordo com as prioridades do empresário Miguel Iskin, e não das necessidades do hospital.


De acordo com delações, Iskin tinha controle sobre os empenhos vindos de Brasília para o Into com o objetivo de aquisição de próteses. Ele também organizava as licitações, indicando quem seria o vencedor e as propostas de cobertura para dar a falsa impressão de disputa.

A aquisição de material sem demanda provocou, segundo um delator, a incineração de dois contêineres de próteses com data de validade vencida. A estimativa, considerada conservadora, é de que os danos chegam a R$ 600 milhões.

Os investigadores identificaram também a compra de 80 mesas cirúrgicas, sendo que não haveria local suficiente para essa quantidade de cirurgias no instituto. 

A estrutura do cartel foi detalhada pelas empresas Per Prima e Maquet. A Per Prima listou ao Cade 70 licitações afetadas pelo cartel, com o envolvimento de 37 empresas.

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