Descrição de chapéu

Eleitor com tatuagem de Bolsonaro encarna a desilusão com o PT

Boa parte dos apoiadores dele não é bem de direita, mas da velha esquerda, laboral

Tatuagem de Bolsonaro na perna de Ricardo Roriz, 60, na convenção deste domingo (22)
Tatuagem de Bolsonaro na perna de Ricardo Roriz, 60, na convenção deste domingo (22) - Raquel Cunha/Folhapress
Leandro Narloch
Rio de Janeiro

Estavam lá Magno Malta, Janaína Paschoal, Jair Bolsonaro, seus filhos e dirigentes partidários. Mas o personagem mais interessante da convenção do PSL deste domingo foi um eleitor.

Ricardo Roriz, 60, já votou em Dilma, Aécio e duas vezes em Lula. Há oito meses, tatuou o rosto de Jair Bolsonaro na perna direita. Nos braços, gravou o slogan de campanha do deputado ("Brasil acima de tudo. Deus acima de todos").

Ricardo Roriz, 60, durante a convenção de Bolsonaro
Ricardo Roriz, 60, durante a convenção de Bolsonaro - Raquel Cunha/Folhapress

Conta ter largado o PT depois dos escândalos de corrupção e dos programas assistenciais. "Votei no Lula porque achava lindo ter um representante do povo, um sindicalista, um trabalhador comandando o país", diz.

 

"Me decepcionei depois da roubalheira e desse parasitismo da bolsa-empresário, bolsa-penitenciário. É absurdo a família de um ladrão ganhar auxílio do governo."

Formado em educação física, Roriz tem um brechó de uniformes militares em Copacabana. Numa página do Facebook, publica vídeos em defesa do Escola sem Partido e da Polícia Militar. Mostra, na outra perna, uma tatuagem em memória aos oficiais da PM mortos em combate.

Não é estranho passar por mudança tão radical de opção política? "Que nada", diz ele. "Metade dos meus amigos que estão aqui já votaram na esquerda."

Roriz e seus amigos na convenção do PSL são amostras de um fenômeno que há um tempo me intriga. Boa parte dos eleitores de Bolsonaro não são exatamente da direita, mas da velha esquerda, aquela esquerda laboral, brizolista, mais cristã e conservadora nos costumes.

Não são comunistas, é claro, mas tampouco liberais --têm zero entusiasmo pelo livre comércio e pela reforma da Previdência; acham ok Bolsonaro dizer que não privatizará a Petrobras.

O que os tira do sério é a educação de gênero, a legalização do aborto e das drogas, a tolerância com criminosos, a maioridade penal só aos 18 anos e a lei que proíbe os pais de darem palmadas nos filhos. Ou seja, as pautas da nova esquerda.

As lideranças que discursaram durante a convenção sabiam disso. Ninguém ali falou sobre crise fiscal ou aumento da produtividade (termos mais apropriados a uma convenção do PSDB). Na hora de levar à euforia o público já excitado, recorreram ao "kit gay", ao risco da destruição dos valores familiares, aos manifestantes que enfiaram crucifixos no ânus durante protesto na Paulista.

O ódio à nova esquerda é o fator que aglutina os eleitores de Bolsonaro.

Como jovens jornalistas são próximos dessa nova esquerda, é natural que antipatizem com Bolsonaro e recebam tratamento recíproco. A tensão ficou evidente na convenção.

O público, em êxtase, empunhava bandeiras, tocava tambores e buzinas, aplaudia, louvava os falantes e gritava contra a imprensa: "Globo lixo! Imprensa comunista!".

Já nas cadeiras reservadas aos jornalistas, o clima era de velório. À minha direita, um repórter de TV mostrava seu descontentamento assistindo a Fórmula 1 pelo celular. À esquerda, uma jornalista fazia "não" com a cabeça a cada vez que um dos falantes criticava a legalização do aborto. "Isso me aterroriza demais", disse. Outra colega, sentada no chão, com cara de ressaca, segurava a cabeça como se pensasse: "o que é que fiz da minha vida pra ter de ouvir essas coisas num domingo de manhã?".

O pior é que talvez seja exatamente isso que os eleitores de Bolsonaro procurem. Querem alguém que leve mais virilidade à política, irrite o jovem reportariado e que não se preocupe com a repercussão de seu discurso no programa da Fátima Bernardes. 

"Como eu, Bolsonaro fala por impulso, sem ligar para o que a imprensa vai dizer", diz Roriz, o ex-eleitor de Lula que hoje leva a imagem de Bolsonaro na perna.

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