Descrição de chapéu Eleições 2018

Encontros com evangélicos foram praxe em gestões Alckmin e Doria

Ex-governador e ex-prefeito de SP, hoje candidatos pelo PSDB, receberam religiosos regularmente

Anna Virginia Balloussier Gabriela Sá Pessoa
São Paulo

​Receber pastores na sede oficial do governo não é prerrogativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB).

Encontros de líderes evangélicos com João Doria e Geraldo Alckmin, candidatos do PSDB ao governo de São Paulo e à Presidência, foram uma praxe quando eles governavam estado e capital paulistas.

Uma dessas reuniões no Bandeirantes sob guarda de Alckmin teve pizza no menu (sorvete e pudim de sobremesa), hinos gospel e um anfitrião contente por “promover a participação das igrejas, hoje [...] grandes parceiras do governo”, como mostra vídeo ao qual a Folha teve acesso.

Isso em abril, segundo o presidente do Núcleo Cristão do PSDB, o diácono Edson Mota, da igreja Tabernáculo Jacuí O Brasil para Cristo —um dos responsáveis pelas agendas religiosas dos agora candidatos Doria e Alckmin, junto com o pastor Luciano Luna e o presbítero Geraldo Malta. 

O compromisso ficou de fora da agenda oficial do então governador de São Paulo.

Sobrinho do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella entrou na reta da Justiça, acusado de usar a máquina pública para beneficiar evangélicos. 

No começo do mês, o prefeito abriu o Palácio da Cidade a lideranças de sua religião. Ali apresentou um pastor que pleiteia vaga na Câmara dos Deputados, defendeu o voto em evangélicos para “dar jeito nessa pátria” e prometer a fiéis cirurgias de catarata em “uma ou duas semanas” (pacientes da rede municipal aguardam cerca de oito meses só para a primeira consulta).

Os paulistas não chegaram a tanto —como insinuar que poderiam furar filas de operações ou fazer campanha aberta dentro do governo para pastores-políticos. O bom relacionamento com igrejas, contudo, também era prioridade.

A dias de deixar o cargo para disputar as eleições, Alckmin se reuniu com líderes como o apóstolo Estevam Hernandes, da Renascer em Cristo, e o pastor Isaías Soares, da Tabernáculo Jacuí. Do apóstolo Willy Garcia ganhou um exemplar de “Pilares Para Uma Vida Saudável - #Escolhiserfeliz”, do nutrólogo Mohamad Barakat, e posou para uma selfie.

Com o grupo cantarolou “Te Agradeço”, da banda gospel Diante do Trono. Música para os ouvidos dos convidados foi mesmo o discurso que deu ainda à mesa. “O que temos pedido para o candidato que apoiaremos é: defenda a família”, diz à Folha outro presente, o apóstolo Cesar Augusto (Igreja Fonte da Vida).

Alckmin não o decepcionou naquela noite. “Todo mundo sabe e quero explicitar minhas posições. Sou contra qualquer mudança na legislação que já temos”, disse sobre o aborto. 

E mais: “Devemos não estimular nas escolas as questões de ideologia de gênero. Devemos ter amor pelas pessoas. Independentemente de qualquer coisa, Deus é amor”.

Em 2018, Alckmin aclamou a “participação das igrejas”, essas “grandes parceiras do governo”, em áreas de interesse público. Citou programas do estado que elas gerenciam, entre eles o Bom Prato de Perus. 

Quando inaugurou o restaurante nesse bairro paulistano com refeições a R$ 1, em 2013, o tucano elogiou o cardápio (“não tem Fasano melhor”) e o pastor Elias Cardoso. É ele o presidente da Igreja Assembleia de Deus – Ministério de Perus, que acumula “mais de 60 anos servindo ao povo através da evangelização e do trabalho social”, ressaltou o governador à época.

O artigo 19 da Constituição veda a estados e municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, [...] ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Para selar parcerias públicas, as igrejas têm de criar organizações sociais.

Entidades ligadas a igrejas costumam receber repasses do governo estadual por meio de convênios. A Assembleia de Deus do Perus administra a Associação Assistencial Comunitária Azarias, que já assinou R$ 7,6 milhões em contratos com o Bandeirantes. O mais recente é de 2017: R$ 1,4 milhões pelo menu do Bom Prato até novembro deste ano.

Essas mesmas entidades mantêm convênios também com a prefeitura. À Azarias foram destinados R$ 46,2 milhões para, por exemplo, administrar creches —mesma área do Instituto Anglicano, com contratos de R$ 15,5 milhões com o município. 

A organização é ligada à Igreja Anglicana em São Paulo, sob batuta do reverendo Aldo Quintão, um dos que circularam pelo Bandeirantes —antipetista confesso, já disparou num ato pelo impeachment de 2016: “Dilma, vim lhe dizer que o povo de São Paulo quer que você vá... se benzer!”.

O interesse não são só convênios. A bancada evangélica estadual conseguiu aprovar nesta legislatura datas para celebrar a fé cristã: o Dia da Juventude Evangélica, o Dia da Mulher Cristã Evangélica e o Dia do Pastor Assembleiano. 

Em junho de 2017, quando Alckmin e Doria se engalfinhavam nos bastidores pela vaga de presidenciável tucano, o primeiro serviu cafezinho a cerca de 70 pastores. “Nesse dia aclamaram Alckmin como candidato”, afirma Malta, do Núcleo Cristão tucano. 

“Se Deus escolher você, que assim seja”, disse o pastor José Dinarte a Doria em outubro de 2017, no meio do embate com Alckmin. No dia, cerca de 40 pastores oraram pelo então prefeito na sede do poder municipal. “Após vários encontros [com lideranças], Doria fez convênios para [associações que atuam na] cracolândia”, afirma Malta. 

No mesmo mês o então prefeito emplacou o aliado João Jorge (PSDB), como presidente do PSDB paulistano. Alçado ao comando do tucanato local, o vereador tuitou sua gratidão: “O conselho, o ombro. #bisposamuelferreira”. Falava do líder de sua igreja, a Assembleia de Deus do Brás. 

“Claro que alguns pastores aproveitavam a oportunidade e pediam verba para ajudar na reforma da igreja e trocar possíveis votos por favores. No final da reunião muitos iam ao gabinete do prefeito ou do governador alinhar as ‘parcerias’”, conta um evangélico que pediu para não ser identificado, que esteve em cerimônias no Bandeirantes de Alckmin e na Prefeitura de Doria. 

“Os caras quase saíam no tapa para ver quem sentava onde. Um pastor trocou a plaquinha com seu nome pela de outro para sair mais perto do Alckmin. Aí me levanta um sujeito: ‘Só peço que vossa excelência, quando entrar no poder, não esqueça de manter a isenção de impostos e, principalmente, criar algo que mande uma verbinha para ajudar a gente’. Sorriso amarelo e um aceno de cabeça mostraram o desconforto do governador.”

“Chamo isso de Síndrome de He-Man: ‘Pelos poderes da igreja...  eu tenho a força!”, brinca outro convidado, o teólogo Marcelo Rebello, dono do Salão Internacional Gospel, feira voltada ao setor.

“Muitas entidades do terceiro setor acabam funcionando como verdadeiras empresas, e a celebração de um convênio de forma direta viola o princípio da impessoalidade. Para evitar abusos, seria recomendável adotar processos seletivos abertos a qualquer interessado”, diz Igor Tamasauskas, mestre em Direito do Estado pela USP especializado em direito administrativo.

Para o presbítero Malta, “nós, evangélicos, ainda somos estigmatizados, não somos respeitados da forma que temos que ser respeitados”. Qualquer movimento do segmento é lido como “ah, estão favorecendo esses aí”, reclama.

Segundo a assessoria de imprensa de Alckmin, “o ex-governador se reúne com todos os segmentos da sociedade com a finalidade de cumprir sua função de conhecer para bem defender o interesse coletivo. Não há relação entre estas reuniões e parcerias firmadas em sua gestão com organizações da sociedade civil”.

“Estar ligada a alguma igreja não é condição para que uma entidade seja escolhida, assim como não pode ser impedimento, como a lei deixa claro”, afirma a nota. João Doria preferiu não comentar.

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