Ianomâmis isolados podem ter sido vítimas de ataque de garimpeiros

Grupo deve ser composto de 80 indígenas, segundo avaliação de antropólogos

Leão Serva
São Paulo

Um grupo de garimpeiros teria atacado a comunidade do último grupo isolado conhecido entre os índios ianomâmis, no estado de Roraima. Dois índios teriam morrido e um garimpeiro, ferido, desapareceu.

O grupo sem contato com outros povos, indígenas ou não, é chamado “Moxihatëtëma” e, segundo avaliação de antropólogos, com base em fotografias aéreas, deve ser composto de 80 pessoas. Ele se localiza na Serra da Estrutura, no Alto Rio Catrimani, na Terra Indígena Ianomâmi (a maior do país).

A informação sobre o confronto, ocorrido no último mês de maio, foi revelada por testemunhas do ataque a agentes da Funai e da Sesai (secretaria de saúde indígena), na semana passada. O colunista da Folha, por telefone, confirmou a informação com um dos agentes públicos a quem o relato foi feito. Ele não quis ser identificado, mas contou como soube da história:

— Nós estávamos em uma comunidade do Alto Catrimani, no último dia 19, falando sobre os casos de doença, em função da reabertura de um posto de saúde na área. Alguns jovens narraram um conflito ocorrido em maio. Dois garimpeiros teriam sido flagrados quando roubavam alimentos de uma roça do grupo isolado. Apesar de atacados com flechas, fugiram sem ser feridos. Eles organizaram uma represália com armas de fogo. Dois Moxihatëtëma foram mortos e um branco ferido desapareceu durante o ataque.

Uma denúncia formal do conflito foi entregue pela associação ianomâmi Hutukara na tarde desta terça-feira (24). O documento foi levado à superintendência da Polícia Federal, ao Ministério Público e à Funai em Boa Vista. A entidade volta a reivindicar a ação do poder público para retirar os garimpeiros da Terra Indígena Ianomâmi, especialmente da região onde se localiza o grupo isolado.

Em 2012, a Funai criou junto ao rio Catrimani uma base de vigilância para impedir invasões à área dos isolados. No entanto, por cortes orçamentários, no final de 2013, a base foi esvaziada, como a Folha testemunhou em sobrevoo no início de 2014.

Retomada em fevereiro daquele ano, a base foi definitivamente abandonada em 2015 e desde então ocupada pelos mineradores ilegais. A pista de pouso do local é usada pelas aeronaves a serviço do garimpo.

Com isso, os invasores estão a apenas cerca de 10 km de distância da maloca, a cinco horas de caminhada ou onze minutos de voo. A possibilidade de encontros é grande e também de contaminação dos índios, que não têm resistência às doenças comuns entre os garimpeiros.

Desde 2010, com o aumento do preço do ouro e a desvalorização do real, o garimpo na área ianomâmi voltou a crescer. Várias operações de órgãos do Estado Nacional (Exército, Polícia Federal, Funai, Ibama, Ministério Público) e de Roraima (Polícia Militar) têm se revelado inócuas por serem pontuais e efêmeras.

Os garimpeiros escondem-se na floresta e aguardam os agentes públicos irem embora, em geral cerca de uma semana depois.

Com isso, chegou a cinco mil o número de garimpeiros, maior contingente desde a expulsão dos invasores pelo governo federal na administração Collor de Mello, em 1991/92, às vésperas da conferência da ONU para o Clima, no Rio, chamada ECO-92.

Esse grupo de isolados foi localizado e fotografado em 2011. A palavra Moxihatëtëma é uma referência de outros índios da região ao fato de que eles amarram o prepúcio (moxi) à cintura com dois barbantes (hatete), quando seus vizinhos o fazem com um só fio. Eles provavelmente são descendentes de famílias que se separaram de um subgrupo ianomâmi (Ninam) que passou a ter intenso contato com não-índios nos anos 1950 e 1960.

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