Descrição de chapéu Eleições 2018

Livro atribui força do dinheiro na política a falhas em instituições

O estudo mostra como o exercício do poder é concentrado em poucas mãos

Ricardo Balthazar
São Paulo

Com empresas proibidas de fazer doações, orçamentos de campanha reduzidos e corruptos na mira da Operação Lava Jato, as eleições deste ano talvez pareçam destinadas a ser as mais limpas de todos os tempos. Para Bruno Carazza, porém, é melhor não apostar nisso.

Autor do blog O E$pírito das Leis, da Folha, ele afirma no livro "Dinheiro, eleições e poder" que a influência de grandes empresas se tornou uma peça essencial do sistema político brasileiro e nada indica que tenha sido removida.

Para Carazza, a ausência de limites para doações eleitorais, a concentração de poder na cúpula dos partidos e outras falhas no desenho das instituições brasileiras permitem que grandes financiadores continuem dando as cartas na política, apesar do cerco de policiais e procuradores.

Plenário da Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 30.abr.18/Folhapress

Diretor-regional da Escola de Administração Fazendária do Ministério da Fazenda em Minas Gerais, mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carazza aproveitou conhecimentos das duas disciplinas para chegar a essa conclusão.

Sua descrição do papel exercido pelos donos do dinheiro no processo político é baseada numa análise minuciosa das doações eleitorais registradas pelos partidos desde 1994 e no exame de horas de depoimentos de empresários e executivos que se tornaram delatores da Lava Jato.

"Grupos políticos se valem de maciças doações eleitorais e propinas provenientes de importantes setores econômicos para se eleger e se manter no poder e, em troca, aprovam leis e políticas públicas que atendam aos interesses dessa elite", escreve Carazza.

Seu estudo mostra como o exercício desse poder é concentrado em poucas mãos. Nas eleições de 2014, por exemplo, ele calcula que somente 450 empresas e 33 pessoas foram responsáveis por três quartos das doações registradas oficialmente pelos candidatos, que arrecadaram quase R$ 5 bilhões na campanha.

Meia dúzia de setores econômicos, incluindo empreiteiras, bancos e indústrias de alimentação e bebidas, em geral dependentes de contratos com o setor público, crédito oficial e benefícios fiscais, fizeram a maior parte das doações.

Carazza mostra como essas empresas souberam usar seu dinheiro para se articular com quem se dispõe a representar seus interesses, financiando candidatos sem preconceito ideológico e dando preferência aos que controlam posições chave no Congresso.

Ao analisar medidas provisórias editadas entre 2001 e 2014, Carazza concluiu que 54% das que ofereciam benefícios a setores econômicos específicos foram relatadas por parlamentares financiados por empresas que seriam beneficiadas pela legislação.

Ele reconhece que a promoção desses interesses é legítima e sua discussão faz parte do processo democrático, mas afirma que a proximidade dos grandes doadores transformou a atividade legislativa num "jogo de cartas marcadas", em que falta aos parlamentares a "isenção necessária para colocar o interesse público acima dos empresariais".

Para desfazer os laços que unem os políticos a seus financiadores, o livro sugere reformas no sistema eleitoral, que reduzam o custo das campanhas, e medidas como a regulamentação da atividade de lobby, com o objetivo de tornar transparente a defesa de propostas do setor privado no governo e no Congresso.

Carazza é especialmente crítico com as mudanças introduzidas na legislação depois que o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações de empresas, em 2015. Contribuições de pessoas físicas continuam permitidas, limitadas a 10% da renda, e o Congresso criou um fundo bilionário, alimentado por verbas públicas, para financiar as campanhas.

Como o limite para doações é associado à renda, observa o autor, doadores mais ricos conservaram o poder de influenciar o jogo político de maneira desproporcional. Além disso, o novo fundo fortaleceu os dirigentes dos maiores partidos, impondo uma barreira à renovação da política.

Para Carazza, a solução seria um sistema que combinasse mecanismos de financiamento públicos e privados, permitindo doações de pessoas físicas e empresas, mas com limites mais rígidos, fixados em valores nominais.

Pior seria deixar como está, ele argumenta: "Recursos tendem a continuar sendo transferidos das empresas para os políticos, mas agora às escuras, na clandestinidade, via caixa dois". Sem a transparência que o modelo antigo oferecia ao impor o registro das doações empresariais, teria sido impossível escrever seu livro.

 

Dinheiro, Eleições e Poder: As Engrenagens do Sistema Político Brasileiro

Bruno Carazza.

Editora Companhia das Letras.

R$ 69,90 (328 págs.)

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