Ministério Público reabre investigação sobre morte de Herzog

Uma investigação anterior havia sido arquivada em 2009, com base na Lei da Anistia

Marco Rodrigo Almeida
São Paulo

O Ministério Público Federal em São Paulo vai reabrir as investigações sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog.  O caso foi retomado após a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenar o Brasil, no começo do mês, por não investigar e punir o crime ocorrido em 1975, durante a ditadura militar.

 

A reabertura das apurações foi anunciada na tarde desta segunda (30) em encontro na TV Cultura com procuradores da República,  integrantes do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), a viúva (Clarice) e um dos filhos de Herzog (Ivo).

Uma investigação anterior do Ministério Público sobre a morte do jornalista havia sido arquivada em 2009, com base na Lei da Anistia de 1979,  que significou um perdão para todos que cometeram crimes relacionados ao regime militar, tanto para representantes do Estado como opositores do regime.

Após duas condenações do Brasil pelo tribunal de direitos humanos —a primeira em 2010, pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha no Araguaia, a segunda agora, referente a Herzog—, o Ministério Público passou a ter a posição de que esses casos deveriam ser levados novamente à Justiça, uma vez que a anistia e a prescrição não se aplicariam a eles.  

Nos dois casos, o tribunal ordenou a adoção de medidas destinadas a reiniciar as investigações e processar e punir responsáveis.

"Crimes cometidos por agentes do estado fizeram parte de um ataque sistemático contra a população. São crimes de lesa-humanidade. Isso foi confirmado pela sentença da corte. Por isso, esses crimes não são suscetíveis à prescrição e à anistia", afirmou Sérgio Suiama, procurador da República.

Na avaliação dos procuradores, o Brasil é obrigado a cumprir a determinação da  Corte Interamericana, a despeito de conflitos entre a sentença internacional e a legislação brasileiro a respeito da prescrição dos casos e da anistia.

"Cada órgão do Estado brasileiro — Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário ou Ministério Público - está obrigado a seguir o que foi decidido na corte. A primeira vez que um juiz, seja de primeiro grau ou do STF, vier a decidir um caso relativo aos crimes da ditadura, ele está obrigado a cumprir a decisão da  corte. A cada vez que o Legislativo for produzir uma norma, ele deve seguir o que foi decidido. O mesmo vale para governo ou MP",  argumenta o também procurador Marlon Weichert.

O Ministério Público já propôs 36 ações penais contra 50 agentes da ditadura, referentes a diferentes casos de repressão, mas todos foram barrados na Justiça. "Esbarraram na interpretação do Judiciário  de que a lei da Anistia e a prescrição seriam válidas para esses casos. Esse é o debate: essas leis podem ser aplicadas em relação a crimes de lesa-humanidade ou só para crimes comuns?", falou  Suiama.

A Corte  Interamericana determinou que num prazo de um ano sejam aprestadas informações sobre o cumprimento da sentença. No caso  Araguaia pouco se avançou em oito anos. "O Brasil  ficou numa posição de descumprimento de uma obrigação internacional, o que o coloca numa situação de desconforto na comunidade internacional", disse  Weichert.

Os procuradores dizem esperar um desfecho diferente para o caso Herzog.


“Havendo uma sentença que fala bastante claramente que esses crimes são conta a humanidade e que não prescrevem nem podem ser anistiados, esperamos que o Judiciário assuma a sua responsabilidade no que diz respeito a existência desses processos”, avalia  Suiama.

TORTURA E ASSASSINATO

Em 25 de outubro de 1975, Herzog apareceu morto em uma cela do Doi-Codi, órgão da repressão do governo militar. A versão oficial apresentada pelos militares dizia que o jornalista havia cometido suicídio, enforcando-se com um cinto de macacão de presidiário. 

Várias evidências, porém, apontavam que o jornalista, militante do Partido Comunista Brasileiro, fora torturado e morto por agentes militares. 

Em março de 2013, a família de Herzog recebeu  uma versão retificada do atestado de óbito do jornalista. 

No lugar de  "asfixia mecânica por enforcamento" passou a constar como causa da morte "lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)".

No encontro desta segunda, o filho do jornalista, Ivo, disse que é hora de reviver o passado para construir um futuro melhor.

"Nossa lei da anistia não tem legitimidade. Virou uma garantia de impunidade para agentes do estado."

Ivo também fez críticas ao presidenciável Jair Bolsonado (PSL), que nesta segunda será entrevistado no programa "Roda Viva". 

Militar reformado, Bolsonaro já fez elogios públicos ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante a ditadura militar. Após a sentença  da Corte Interamericana sobre o caso Herzog, Bolsonaro  afirmou em entrevista à Rede TV:  "Lamento a morte dele, em que circunstância, se foi suicídio ou morreu torturado. Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio".

"Hoje virá a esta casa um ser abominável, que disse que suicídios acontecem. Isso deveria ser motivo de impugnação de uma candidatura", afirmou Ivo.

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