Trancamento de ação no STF não aplaca sofrimento de infâmia, diz tucano Capez

STF trancou em junho processo da 'máfia da merenda' contra o ex-presidente da Assembleia de SP

Gabriela Sá Pessoa
São Paulo

Ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Fernando Capez (PSDB) diz se sentir justiçado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que, em 26 de junho, trancou definitivamente uma ação contra ele no Tribunal de Justiça de São Paulo, no caso conhecido como máfia da merenda.

Capez foi acusado de pedir propina à Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) para interferir em favor da cooperativa na Secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB). O escândalo veio à tona em 2016, com uma operação que identificou desvios em contratos da Coaf. O valor desviado, segundo o Ministério Público, teria sido usado para pagar despesas da campanha de 2014 de Capez.

O deputado estadual Fernando Capez (PSDB), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, em seu gabinete. Ele está sentado em sua mesa, apoiando as duas mãos sobre o processo contra ele no caso da máfia da merenda. À direita, vê-se edições de seus livros sobre direito penal. À esquerda, uma edição da Bíblia
O deputado estadual Fernando Capez (PSDB), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, em seu gabinete, durante entrevista na última quinta-feira (12) - Folhapress

Por 3 votos a 1, os ministros acataram a tese da defesa de que houve intimidação de testemunhas e que faltavam provas para torná-lo réu. 

Em outubro, Capez planeja disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. 

 

O sr. encara o trancamento da ação pelo STF como um desfecho do escândalo da merenda?

Sim. A Justiça decidiu, pela sua mais alta instância e de forma irrecorrível, que a acusação deveria ser imediatamente encerrada. Essa decisão retratou a visão do relator e de diversos desembargadores. Isso nos dá tranquilidade, mas não aplaca o sofrimento de uma infâmia. Jamais poderíamos esperar o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Surpreendeu porque a CPI já havia constatado a inexistência de indícios. A Corregedoria-geral da Administração, presidida por um procurador de Justiça, tinha concluído que não houve nenhuma participação ou interferência de terceiros. O conselho de ética da Assembleia já tinha arquivado. E as informações que havíamos recebido do Ministério Público é que a denúncia não seria oferecida, que haveria o arquivamento, inclusive antecipado a mim por membros da instituição.

Mas por membros da investigação?

Não… Mas, o que poderíamos dizer? Corria-se dentro do Ministério Público, um comentário geral dos promotores. Era voz corrente do Ministério Público que aquela era uma investigação sem nenhum elemento. Aquilo contrariava as evidências da investigação e contrariou as conclusões da CPI e da corregedoria, que ouviram quase 60 testemunhas. Por isso, o desembargador relator rejeitou a denúncia e disse que apenas serviu para prolongar a execração pública de uma pessoa inocente. Parece que ele percebeu alguma coisa do tom político da investigação. O tom político da investigação é indisfarçável.

O sr. frisa o posicionamento do relator e cita o tom político da investigação. Ainda assim, 12 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo votaram para abrir uma ação contra o sr. Por que tomaram essa decisão?

Dos 12 votos, 11 foram sem motivação.

Como assim?

Sem fundamentação. Não quero fazer uma crítica ao Tribunal de Justiça, mas tenho que falar. Os votos dos desembargadores eram assim: vamos receber a denúncia porque recebemos há dois meses uma denúncia contra uma promotora por homicídio. Ao que tudo indica, houve uma preocupação em preservar os representantes do Ministério Público de indenização por danos morais. Ou seja: você está recebendo uma denúncia, não condenando. 

O sr. é membro licenciado do Ministério Público. Já viu alguma investigação com motivação política, como diz ter sido o seu caso? Isso é comum?

Olha, nos tempos atuais em que há uma grande publicidade, um enorme escândalo que se faz em cima de cada investigação, evidentemente quando envolve autoridades ou pessoas conhecidas, a consequência é que isso atrai o interesse da mídia. Quando atrai, entram na investigação e no processo inúmeros fatores extrajurídicos. Entram em jogo as paixões individuais. Em casos que ganham publicidade, normalmente a análise serena e equilibrada do caso é comprometida.

Dentro do Ministério Público?

Dentro do Ministério Público e em qualquer outro órgão cujas funções publicas sejam desempenhadas por pessoas. Portanto, em qualquer ramo da atividade humana. O Ministério Público tem uma larga folha de serviços prestados à sociedade, eu tenho orgulho de pertencer a ele. Mas isso não isenta que em determinados casos as paixões de alguns de seus integrantes possam, sim, dominar as ações.

Mas o sr. diz que houve um tom político na investigação. Paixões são uma coisa, motivação política para prejudicar alguém é diferente. O sr. já viu isso acontecendo, já viu algum colega seu agindo deliberadamente por motivações políticas?

Não vou me manifestar sobre isso. Acredito que as eventuais restrições e críticas que tenha a meus colegas no Ministério Público as farei no âmbito interno e nos canais competentes. Não vou criticar a minha instituição publicamente. Neste caso, chamou a atenção alguns fatos objetivos. O que poderia explicar que testemunhas estivessem sendo coagidas nos fundos de uma delegacia?

Por quem?

Por delegados de polícia e um promotor de Justiça.

A coação de testemunhas foi um dos argumentos utilizados por sua defesa. Quer que isso seja investigado?

O desembargador decano do TJ determinou que se proceda a investigação dos abusos de autoridade. Estes fatos não foram levados à opinião pública porque quem estava conduzindo a investigação não passou. Veja o que diz uma testemunha, presidente da cooperativa [lê uma folha de uma manifestação de sua defesa à Justiça, citando trechos de depoimentos]: “O senhor foi ameaçado por alguém? Sim, no dia do meu depoimento”. Isso em janeiro de 2016.

Aí ele [testemunha] diz o seguinte: “Eu não estava presente. Quem redigiu meu depoimento foi o promotor de Justiça, e sempre com a ameaça de eu ser preso”. Como estava sob sigilo, não interessava ao MP divulgar depoimentos como esse, que davam a existência da coação e me inocentavam. O que fui obrigado a fazer? Determinei a instauração de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa]. Ela foi totalmente dominada por partidos de oposição, todos os depoimentos foram prestados na presença da imprensa e nenhuma pessoa fez qualquer tipo de carga contra mim. Essa foi uma investigação isenta como se eu fosse ilustre desconhecido? Não, foi direcionada para produzir responsabilidade a todo custo. Se eu não fosse presidente da Alesp, não tivesse sido o deputado estadual mais votado e caminhando —ninguém  pode dizer o que aconteceria…

Para ser candidato a governador? 

Não posso dizer isso. Mas eu teria condições de colocar o meu nome para que o partido apreciasse.


O sr. mencionou o caso da CPI. Antes, a Casa viveu a ocupação dos estudantes. Eles ficaram sem acesso a energia e internet, houve uma ação policial representativa. Como vê a ação dos estudantes? 

As coisas caminhariam naturalmente para a CPI. A investigação estava estagna da e eu precisava que os fatos fossem apurados publicamente. Não houve corte de energia. Eu podia ter determinado a imediata retirada dos estuantes. Não fiz, porque contraria minhas convicções. Conseguimos liminar e os estudantes saíram caminhando voluntariamente. Faz parte do processo político, a política é feita de situação e oposição. Hoje no Brasil, para que alguém ascenda, tem que destruir o outro. A disputa para se chegar ao poder tem sido selvagem. 

No partido do sr.?

Risadinha. Em todos os partidos existe fogo amigo.

No PSDB?

É um partido como outro qualquer.

Acha que foi suficientemente defendido pelo PSDB e pelo ex-governador Geraldo Alckmin?

[Fica em silêncio por alguns segundos] Tive que pensar para responder. Alckmin deu entrevistas dizendo que não acreditava em qualquer participação minha, até por se tratar de um membro do Ministério Público, pela natureza do tema e, considerando que eu era presidente da Assembleia, estava comandando um orçamento de mais de R$ 1 bilhão. O argumento era  [que a propina teria servido] para pagar despesa de campanha, mas a eleição tinha terminado há mais de um ano. Haja despesa. 

O sr. falou do ex-governador. E o partido?

O presidente estadual, Pedro Tobias, me defendeu. Mas o partido não é o governador e presidente. Evidentemente que existem questões internas.

Pesquisas internas de alguns partidos mostram que o caso da merenda teve um peso político grande para o PSDB e para o ex-governador Alckmin. O fogo amigo saiu pela culatra? 

Vou dizer uma coisa: o escândalo da merenda não me afetou politicamente. Me afetou na alma. Me afetou pessoalmente. 

Afetou o partido?

A mim não afetou. As pessoas falam “que sacanagem fizeram com você, não?”. Se algo podia ter sido feito e não foi, se foi alimentado fogo amigo, se grudou em alguém... em mim, não foi. Acho que é injusto colar essa imagem no Alckmin, mas o PSDB vai carregar isso, sem dúvida alguma. E vai carregar de um contrato de R$ 10 milhões de laranja em que não houve envolvimento de agente publico. O que o partido podia ter explicado? Que a cooperativa em questão perdeu a licitação.

O partido?

Todo mundo, eu não tinha voz. O partido podia ter me arrumado canais de comunicação na imprensa, quem ia me dar ouvido? Eu, sozinho, tive que pesquisar 16 anexos do TCE para mostrar que não teve superfaturamento, sozinho tive que mostrar que a cooperativa perdeu a licitação e mostrar que ninguém da Secretaria da Educação teve envolvimento. Não tem ninguém que tenha força nesse partido para fazer uma defesa?

O sr. pediu ajuda?

Fui pedir ajuda, sim.

A quem? 

Não vou falar a quem. Fui falar: “Vocês precisam me ajudar a fazer valer minha versão”. [Responderam] “Não, não, você tem que aguardar uma investigação isenta e imparcial”. Enquanto isso, a investigação era feita com base em coação.

O processo não tramitou nem houve julgamento, foi trancado. O sr. se sente inocentado?

Me sinto justiçado. A minha sensação é de Justiça pelo encerramento antes de processo sem pé nem cabeça e nenhuma chance de dar certo. As coações e a divulgação tendenciosa, deformada e hiperbólica feita pela mídia levaram a chegar ao ponto em que chegou. Quem estava municiando [a mídia], estava municiando nesse sentido. Claro que eu queria ser inocentado, mas eu ia esperar o quê? Mais cinco ou seis anos desse absurdo? Uma coisa que não deveria nem ser iniciada?

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