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Assessora fantasma de Bolsonaro continua vendendo açaí em horário de expediente

Minutos depois da visita da Folha, Walderice Santos da Conceição afirmou que vai se demitir

Camila Mattoso Ranier Bragon
Angra dos Reis (RJ)

Diferentemente do que vem repetindo, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL-RJ) continua usando dinheiro da Câmara dos Deputados para pagar o salário de uma funcionária de gabinete que vende açaí na praia onde o deputado tem uma casa de veraneio.

Folha visitou o local nesta segunda-feira (13) e comprou com Walderice Santos da Conceição, 50, um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara dos Deputados.

Ela afirmou que trabalha na loja, que leva seu nome, “Wal Açaí”, todas as tardes, na pequena Vila Histórica de Mambucaba, a 50 km de Angra dos Reis.

Loja de açaí na pequena vila histórica de Mambucaba, onde trabalha, em horário de expediente, uma funcionária de gabinete do presidenciável Jair Bolsonaro
Loja de açaí na pequena vila histórica de Mambucaba, onde trabalha, em horário de expediente, uma funcionária de gabinete do presidenciável Jair Bolsonaro - Ranier Bragon/Folhapress

Minutos depois de a reportagem se identificar e deixar a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que ia se demitir do cargo.

No começo da noite, o candidato confirmou a demissão de sua funcionária em entrevista coletiva e disse que o "crime dela foi dar água para os cachorros". 

Folha revelou a existência de Wal, apelido dela na região, como funcionária fantasma em janeiro e o caso voltou à tona no debate entre os presidenciáveis realizado pela TV Bandeirantes na última quinta (9). 

O candidato do PSOL, Guilherme Boulos, perguntou a Bolsonaro "quem é Wal?".

Antes de se identificar como repórteres, a Folha conversou com Walderice na pequena loja de açaí onde ela trabalha. Ela chegou a comentar o debate da TV Band.

"Ele [Boulos] disse que o Jair tinha uma funcionária fantasma." Em resposta à pergunta da Folha sobre quem era, Walderice afirmou: "Sou eu."

Em reportagem de janeiro, a Folha revelou que Wal não trabalhava no gabinete do deputado. De acordo com pessoas da cidade, ela também presta serviços particulares na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade o comércio de açaí.

A secretária figura desde 2003 como um dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília, recebendo atualmente salário bruto de R$ 1.416,33 ​.

Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro ao deputado.

Depois da reportagem, o parlamentar passou a dar diferentes versões sobre a assessora. Primeiro, disse que buscou o endereço do local e viu que a “casinha” de açaí era da irmã de Walderice.

Em outra tentativa de explicar, disse que sua secretária de gabinete estava em período de férias na ocasião em que a Folha visitou o local na primeira vez. Essa foi a versão dada, por exemplo, na resposta a Boulos no debate da Band.

"A sra. Wal, sra. Walderice, é uma funcionária minha em Angra dos Reis. Quando a Folha de S.Paulo foi lá [em janeiro] e não achou, botou manchete no dia seguinte de que ela estaria lá fantasma. Só que em boletim administrativo da Câmara dos Deputados de dezembro ela estava de férias", disse Bolsonaro no debate.

Na tarde desta segunda-feira (13), a reportagem esteve na loja duas vezes. Na primeira, sem se identificar como jornalista, momento em que o açaí e o cupuaçu foram comprados. Não há nenhum registro de férias de Walderice atualmente.

Uma hora e meia depois, a Folha voltou e se identificou. A funcionária disse que não tinha nada a declarar sobre o assunto.

Nessa ocasião, Walderice deu a entender que não queria prejudicar o presidenciável.

“Eu não vejo o sr. Jair como vocês veem. O sr. Jair pra mim é uma outra pessoa. O sr. Jair é uma boa, o sr. Jair é meu amigo, o sr. Jair não é racista, a minha família é toda negra. O sr. Jair não é homofóbico.”

Questionada se Jair Bolsonaro deveria pagá-la com dinheiro próprio já que ela não exerce atividade parlamentar, de gabinete, mas trabalha na loja particular de açaí, Walderice disse apenas: “Mas aí é uma coisa que cabe a ele responder”. 

A Folha insistiu em outra pergunta, que foi repetida por duas vezes: “A sra. recebe realmente esse dinheiro ou é seu marido que recebe?” Após um silêncio, ela afirmou: “Já falei, só comento sobre isso quando ele [Bolsonaro] falar que eu posso comentar.”

Segundo as regras da Câmara, a pessoa que ocupe o cargo de secretário parlamentar, o caso de Walderice, precisa trabalhar exclusivamente para o gabinete no mínimo oito horas por dia.

A reportagem entrevistou vários moradores nas duas ocasiões que esteve na cidade, que tem pouco mais de mil habitantes. A suposta atividade parlamentar da funcionária de Bolsonaro era desconhecida.

Em entrevista coletiva nesta noite, o presidenciável confirmou a demissão da funcionária, mas deu informações divergentes. 

"Tem dois cachorros lá e pra não morrer de vez em quando ela dá água pros cachorros lá, só isso. O crime dela é esse aí, é dar água pro cachorro", disse. Em janeiro, o parlamentar negava qualquer tipo de atividade fora da política.

Ele afirmou que Walderice pediu demissão pela manhã, por causa do debate da TV Band. 

A funcionária não mencionou em nenhum momento que já tinha pedido demissão, nem antes de saber que se tratavam de jornalistas, nem depois.

Apenas minutos depois de a reportagem sair da cidade, ela Walderice ligou direto para o telefone da Folha, na sucursal de Brasília, e avisou que faria o pedido.

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