Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Com Otavio Frias Filho, Folha refletiu o crescimento de uma geração

Jornal nos marcou na transição para a democracia e a abertura da cultura

Marcos Lisboa e Samuel Pessôa
São Paulo

Eram tempos de ditadura. No fim dos anos 1970, ansiávamos pela democracia, pela abertura política e pela liberdade na cultura. Nossa geração crescera com a censura, e tivemos que aprender a ler nas entrelinhas dos jornais e das revistas para interpretar o que ocorria nos bastidores. Éramos de esquerda na política e libertários nos costumes.

Naqueles tempos, o dia começava com a leitura do jornal impresso durante o café da manhã. Cada um tinha seu ritual, uns começando pela política, outros pelos esportes. Os jornais contavam do país e do mundo na era sem internet.

A Folha de S.Paulo era o nosso jornal. Desde a renovação com Cláudio Abramo, a Folha se transformara, tornando-se crítica da ditadura e cada vez mais à esquerda, como tantos de nós. Como se esquecer da capa com as torres da Catedral da Sé e os manifestantes pedindo Diretas Já?

A Folha, porém, ia muito além da política. Jovens articulistas, jovens cartunistas, jovens ideias pulsavam nas suas páginas em meio a textos longos de grandes jornalistas de uma geração anterior ou polêmicos inesquecíveis, como Paulo Francis. A coluna de Elio Gaspari é um tributo ao jornalismo cuidadoso, sutil e provocador de outros tempos.

Talvez nenhum órgão de primeira linha da imprensa brasileira expresse melhor o amadurecimento daquela geração.

Apesar da crise econômica dos anos 1980, havia imensas expectativas com os novos tempos, como se nosso subdesenvolvimento e outros problemas sociais pudessem ser colocados exclusivamente na conta dos milicos. Novas regras com a nova política, e até uma nova Constituição, nos conduziriam com facilidade ao porto seguro do desenvolvimento econômico e social.

Os anos seguintes assistiram a enormes tropeços, como a morte de Tancredo Neves e o governo de Fernando Collor. Achávamos que Fernando Henrique Cardoso concedera demais ao atraso e assistimos à esperança de muitos com Lula.

Lentamente, a nossa geração e a Folha, seus repórteres e editores, foram aprendendo as dificuldades da construção de uma sociedade justa e desenvolvida. Compreendemos que existem restrições e que boas intenções apenas não são suficientes. Passamos a reconhecer a importância da política na construção de maiorias e a necessidade da autocontenção para evitar uma trajetória destrutiva, como a que a Venezuela vivencia atualmente.

A Folha de S.Paulo era Otavio Frias Filho. O jovem que acompanhara a gestão inovadora de Cláudio Abramo revolucionou a imprensa brasileira com o convite ao debate e o cuidado de garantir a diversidade de opiniões. Ele buscava o contraponto, e o seu jornal parecia estar sempre na oposição, qualquer que fosse o governo.

Amigos dramaturgos comentam a qualidade artesanal das suas peças, outros lembram de seus textos longos, demasiadamente raros. Nós lembramos do jornal que nos marcou na transição para a democracia e a abertura da cultura. 

A morte é sempre dolorida para os entes queridos, mas a morte de Otavio turva a nossa geração em tempos cinzentos para a imprensa e para o país.

Otavio foi um dos melhores atores desse processo de amadurecimento e envelhecimento que tem sido de todos nós, em meio ao duro reconhecimento dos nossos equívocos. Talvez o mais surpreendente nessa história seja o destemor do pai, Octavio Frias de Oliveira [1912-2007], que permitiu ao seu filho, quase um garoto, liderar a revolução no jornal em companhia de seus irmãos.

Otavio Frias Filho surpreendeu a nossa geração ao convidar os diferentes para conversar nesta Folha. Queríamos ter-lhe dado um abraço agradecido. Não deu tempo.

Os autores são colunistas da Folha

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