Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho: Ascensão e queda de Bertolt Brecht

Texto publicado originalmente em 15 de janeiro de 1998

Otavio Frias Filho

O texto ' Ascensão e queda de Bertolt Brecht' foi publicado originalmente na seção Opinião.

 

Este ano é o centenário de Bertolt Brecht (1898-1956). Renato Borghi já comemora em São Paulo, protagonizando a "Vida de Galileu", uma das peças mais famosas do dramaturgo alemão. O texto foi encenado em 68, na montagem histórica de Zé Celso da qual Borghi participou, liberada pela censura, paradoxalmente, no dia da edição do AI-5.

Duas épocas, duas encenações diferentes e agora uma oportunidade preciosa de conhecer o Galileu de Brecht interpretado por um ator não só brechtiano, mas talentoso e culto como é cada vez mais raro, a melhor escolha para o papel. Mas será que a peça sobreviveu? Nas mãos de Zé Celso, ela galvanizou um sentido bem específico.

O Galileu de 68 era um intelectual calado pela censura, como muitos na platéia, mas que nem por isso deixava de anunciar o advento de uma era revolucionária que estava por vir. Ela não veio, como sabemos, mas enquanto isso aconteceu algo imprevisível: a "nova era" foi varrida até mesmo dos lugares onde conseguira se instalar.

O dramaturgo alemão Bertold Brecht  de óculos
O dramaturgo alemão Bertold Brecht em Berlim em 1931 - Paul Hamann/France Presse

Não há mais censura e não há mais revolução, a metáfora do Galileu de Brecht corre o risco de se esgotar nos dilemas do geneticista que criou a ovelha Dolly. Todo o aspecto social que inerva a peça (e a obra de Brecht como um todo) se esvaziou, a própria idéia de um conflito entre progresso e reação se tornou confusa, ambígua.

Beckett e Pinter são esquálidos demais, Pirandello é muito excêntrico, Eugene O'Neill soa cada vez mais convencional, Shaw pertence antes ao século passado. Não é fácil negar a Brecht o posto de maior dramaturgo deste século. Mas suas apólices despencam na bolsa literária, o futuro de sua reputação parece incerto como o da rupia.

Sua poesia ("Diz-se que o rio é violento, mas não se diz que são violentas as margens que o oprimem") era inspirada numa doutrina que entrou em colapso. Seu teatro esteve a serviço de uma ditadura sustentada em tanta mentira que, quando caiu, caiu de podre. Para não mencionar sua conduta pessoal, muitas vezes deplorável. O que sobra de Brecht?


O leitor poderá responder por conta própria, vendo "Galileu". Qualquer juízo conclusivo vai demorar, a Queda ainda é recente, mas não custa deixar aqui algumas sugestões em defesa do teatro de Brecht, caso ele precisasse de procuração. A imagem que temos é a de que Brecht criou uma poesia forte, mas esquemática, maniqueísta.


O objetivo era flagrar mecanismos sociais em seu funcionamento mais típico; o célebre "distanciamento" devia romper a cadeia emocional entre espetáculo e platéia, forçando o público a pensar mais do que sentir. A pobreza dos meios (comparada ao cinema...) casava com as intenções de denúncia, o teatro era um circo político.


Ao mesmo tempo, há uma complexidade subjacente. Os poderosos, por exemplo, seus vilões, são marionetes do dinheiro, de cuja tutela até gostariam de se libertar, se pudessem, enquanto que os oprimidos, saídos da tipologia popular de Shakespeare, agem em função do mais vil interesse. Brecht é menos óbvio e por isso mesmo mais duradouro do que parece.

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