Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho: Nossas elites

Texto publicado originalmente em 16 de novembro de 1995

Otavio Frias Filho

O texto 'Nossas elites' foi publicado originalmente em 16 de novembro de 1995, na seção Opinião. 

 

Todo mundo sabe que o problema do país são as elites. Até em programas de auditório a resposta é mais ou menos a mesma: o país é maravilhoso, o povo é basicamente bom, o problema está nas elites. Incompetentes, gananciosas e corruptas, elas são as responsáveis pela endemia do nosso atraso. Foi Collor, o grande desapropriador de clichês alheios, quem popularizou a idéia.

Culpar a classe dominante vinha sendo um hábito de esquerda. Collor incorporou esse hábito, mas deslocou o ataque contra um alvo socialmente impreciso e literariamente forte: as elites, os grupos estabelecidos, os donos não só dos recursos econômicos, mas também do poder sindical e do saber universitário. Ele passou a chamar de elites o que nos anos 70 se chamava de sociedade civil.

Essas manobras não deixam de gravitar em torno do nosso complexo colonial, pois as elites que aqui gorjeiam só podem ser más se comparadas àquelas outras, as boas —inglesas, francesas ou americanas—, que souberam prover seus povos de prosperidade, saúde, educação. Esperar que chovam dádivas e ao mesmo tempo maldizer que elas nunca venham, dois costumes nacionais, aparecem reunidos aqui.

Mas não é preciso ser sociólogo para saber que em matéria de egoísmo e ganância todas as elites são iguais. As pessoas estão sempre procurando aumentar suas vantagens, o que produz a ilusão de ótica de que os grupos atuam como indivíduos; na prática, muitas vezes é como se de fato atuassem. A crônica das elites "civilizadas" é tão repleta de crimes e atrocidades quanto a das nossas.

Um desenvolvimento mais equânime, um progresso mais igualitário não ocorre quando as elites, por benemerência ou mesmo por cálculo futuro, decidem promovê-lo; isso é ficção. Por demagógico que possa soar, somente o povo pode educar as elites e somente pela força elas podem ser educadas. A ameaça social, desde que convertida em pressão organizada, foi o que domesticou as elites "esclarecidas".

O equilíbrio no desenvolvimento depende, assim, da paridade das forças que ele põe em conflito; quanto melhor organizados forem os diferentes grupos sociais, mais serão capazes de limitar reciprocamente suas pretensões e abusos. Essa a obviedade que esquecemos quando culpamos os grupos como se eles fossem culpáveis no sentido em que indivíduos são. Pois se as elites são desenfreadas, a "culpa" é do povo.

Se adotarmos esse ponto de vista, Collor estava certo quando deflagrou o ataque contra grupos de elite até então incólumes à crítica, embora de forma alguma à repressão, e errado ao solapar toda organização autônoma na sociedade, a pretexto de atingir a elite tentacular. Na sua mitologia, o povo era a verdadeira sociedade civil e seu único mandatário era ele, o czar-presidente.

A tese de que o problema são as elites fez longa carreira na nossa crônica; as próprias elites no fundo acreditam nela, cada visita a Paris ou mesmo Miami reforçando dolorosamente a velha crença, que tem um triplo fundamento católico, autoritário e progressista. Enquanto dá algum fôlego ao povo, a estabilidade da moeda permite às elites mais uma chance de, aceitando a si próprias, aceitarem os problemas do país. 

 
Otavio Frias Filho
Otavio Frias Filho

Diretor de Redação

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.