Descrição de chapéu Eleições 2018

'Se eu disser que Bolsonaro é misógino, estarei mentindo', diz Janaina Paschoal

Jurista foi cotada como vice do presidenciável do PSL, mas não topou por 'questões familiares'

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

Não é porque diz frases como "não servem nem para procriar", sobre quilombolas, ou "não te estupro porque você não merece", para a petista Maria do Rosário, que Jair Bolsonaro é de direita.

Não na opinião da jurista Janaina Paschoal, 44. "Posso te assegurar que não são frases como essas que fazem alguém ser de direita", afirma à Folha a professora da USP. 

A jurista Janaina Paschoal discursa na convenção do PSL, que consagrou a candidatura de Jair Bolsonaro
A jurista Janaina Paschoal discursa na convenção do PSL, que consagrou a candidatura de Jair Bolsonaro - Ricardo Moraes - 22.jul.18/Reuters

Ela se aproximou do presidenciável do PSL no mês passado, quando seu nome ganhou força para assumir a vice na chapa dele. "Eu tenho um costume chato de acordar com ideias no meio da noite e escrever para as pessoas. Acho que ele deve ter até pensado em me bloquear [rs]."

Acabou declinando o convite para vice, diz, por "questões familiares". O posto ficou com o general Antonio Hamilton Mourão.

Também pesou, entre aliados do candidato, as críticas que Paschoal fez a seguidores do deputado na convenção nacional do PSL, no mês passado. É preciso evitar o "pensamento único", disse então. "Pessoas só são aceitas quando pensam exatamente as mesmas coisas. Reflitam se não estamos fazendo o PT ao contrário."

A advogada, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, afirma não ver em Bolsonaro traços de radicalismo. A pecha de misógino, por exemplo, não seria justa.

"Conversamos de igual para igual. Ele até se colocou em uma posição desfavorecida nos pontos referentes à minha área de atuação. Então, se eu disser que esse homem é misógino, estarei mentindo."

 

Por que decidiu declinar o convite para a vice?

Não se pode aceitar um desafio desses pensando só na campanha. É preciso pensar também no governo. Ponderamos muitos fatores. A questão familiar foi a que mais pesou. Não podemos impor uma mudança repentina na vida dos outros.

O que acha da chapa que acabou vingando no PSL, com dois militares [Jair Bolsonaro e Antonio Hamilton Mourão]?

Não tenho nenhum preconceito com militares. Acho que a confiança entre os candidatos é algo importante e, no caso, há confiança. Isso vale mais que as composições políticas.

Toparia ser ministra de Bolsonaro? 

Veja, se um dos fatores que me impediu de aceitar a vice-presidência foi minha família não querer se mudar para Brasília, acho difícil assumir um ministério. Seria mais fácil um vice ficar parte do tempo em Brasília e parte no seu estado do que um ministro. Eu vejo assim.

O que a atraiu ao PSL?

Li o estatuto do partido, foi o que mais se aproximou do que eu penso. Não lembro os detalhes do estatuto agora, mas li os estatutos de todos os partidos que me procuraram —e muitos falavam de socialismo, por exemplo. Socialismo e liberdade não convivem.

O que pensa do argumento recorrente de que o candidato é misógino?

Olha, eu estive com Bolsonaro duas vezes, conversamos ao telefone umas três vezes e trocamos mensagens sobre planos para o governo. Eu tenho um costume chato de acordar com ideias no meio da noite e escrever para as pessoas. Acho que ele deve ter até pensado em me bloquear [rs]. 

Em todas as oportunidades, foi muito respeitoso comigo. Conversamos de igual para igual. Ele até se colocou em uma posição desfavorecida nos pontos referentes à minha área de atuação. Então, se eu disser que esse homem é misógino, estarei mentindo. Comigo, ele foi mais democrático do que os muitos esquerdistas com quem convivo.

O candidato tem um histórico de declarações polêmicas, como a de que quilombolas "não servem nem para procriar", a do “não estupro porque você não merece” para a deputada petista Maria do Rosário etc. Elas fazem com que ele seja rotulado como extrema-direita. Concorda?

As declarações dele não são nada polidas, ma eu não as vejo como criminosas. Quanto a ser de direita, posso te assegurar que não são frases como essas que fazem alguém ser de direita. O brasileiro estigmatiza muito "a direita". O que diferencia a direita da esquerda é a liberdade. Ou, pelo menos, deveria diferenciar.

E a sra., coloca-se como na régua ideológica? 

Não gosto de me fechar em caixinhas, mas pensando a direita como sinônimo de liberdade, eu seria de direita.

Seu alerta para que os seguidores de Bolsonaro não virem o PT às avessas foi recebido mal por boa parte da militância do candidato. Enxerga certo “radicalismo até meio boçal”, como o general Mourão já disse sobre parte dos bolsonaristas?

Prefiro não adjetivar, mas esse radicalismo —que não senti no candidato— assusta as pessoas. Nós precisamos acolher a divergência. Será impossível governar apenas com os iguais. Foi isso que eu busquei dizer na convenção. Não foi uma crítica, foi um conselho.

Desistiu da vida política ou ainda tentará algum cargo —nesta ou em outras eleições?

Estou na política desde que nasci, nunca deixarei a política. Se será partidária, se haverá cargos, é outra história.

Bolsonaro ventilou a hipótese de aumentar o número de ministros no STF. O que conversou com ele a respeito dessa proposta?

Conversei com ele, com o presidente do PSL e com o professor Paulo Guedes [economista de Bolsonaro]. Na condição de professora de direito, expliquei que seria inconstitucional e que meu papel, em um eventual governo, seria zelar pela Constituição.

Eles compreenderam e, pelo que senti, o candidato abandonou a ideia. Creio que ele pensou nisso em razão de decisões um tanto quanto preocupantes recentemente tomadas. Mas devemos lembrar que a Constituição traz soluções para eventuais abusos. Temos que segui-la. Esse é o caminho. O único! 

A sra. virou uma espécie de meme para a esquerda brasileira, que caçoa de frases suas, remixa discursos seus etc. Como se sente?

A esquerda me estigmatiza, por não conseguir enfrentar meus argumentos; os pretensos direitistas também. Não apanho só da esquerda, apanho do projeto de direita que temos no Brasil, infelizmente. É muito difícil conviver com alguém que não compra pacotes fechados de ideias.

Veja, segunda-feira (6) fui ao STF defender que a legislação vigente, referente ao aborto, seja mantida. Sofri protestos de esquerdistas, na entrada e na saída do tribunal. Me chamaram de golpista, fascista e mulher machista. Ao mesmo tempo, nas redes sociais, eu era chamada de abortista, por não querer revogar as hipóteses legais de aborto. Entende? É muito difícil! Eu ia brigar com minha família toda para tentar fazer alguma coisa pelo país e, haja vista a maneira que penso, iria desagradar a todos.

Um direitista de verdade respeita o pensamento do outro, pois a individualidade é muito importante. Já o esquerdista trabalha tudo com foco no coletivo e, com isso, uniformiza os pensamentos. Veja o que ocorre nas universidades. Todos têm que defender as mesmas bandeiras. É assustador. 

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