Tribunal de Justiça de SP resiste a reintegrar juiz afastado há 26 anos

Magistrado recebeu relógio para beneficiar dois candidatos a vereador, mas não foi aposentado

Frederico Vasconcelos
São Paulo

O Tribunal de Justiça de São Paulo resiste à pretensão do juiz Marcello Holland Neto de voltar às atividades, 26 anos depois de afastado da toga.

Em 1992, o tribunal julgou comprovada a coparticipação de Holland numa fraude, quando atuou como juiz eleitoral em Guarulhos (SP). Ele foi acusado de alterar a apuração dos votos para favorecer dois candidatos à Câmara Municipal.

Holland teria recebido um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado”, além de aceitar auxílio-moradia pago pela prefeitura daquela cidade.

O magistrado foi colocado em disponibilidade, recebendo os vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Em 2014, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que ele poderia ser reintegrado, desde que submetido a reabilitação.

O tribunal sempre foi contrário ao reingresso do juiz. Em 1994, rejeitou o pedido de reaproveitamento, então considerado prematuro. Voltou a negar, em 2003.

O tribunal entendeu que o retorno do juiz “não atende ao interesse público”, uma vez que os fatos “revestem-se de intensa gravidade” e revelam “um quadro incompatível” com a magistratura.

Dez anos depois, Holland questionou essa decisão no Conselho Nacional de Justiça. O pleito não foi aceito, porque o caso já havia sido processado em juízo e o órgão só tem competência para o controle da legalidade de atos administrativos. Holland impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra o ato do CNJ. A ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de liminar.

O juiz voltou a recorrer ao conselho. Pediu o imediato reaproveitamento, “retroagindo e reconhecendo todos os direitos a partir de maio de 2003”.

O juiz de São Paulo Marcello Holland Neto, que tenta voltar ao cargo
O juiz de São Paulo Marcello Holland Neto, que tenta voltar ao cargo - Reprodução

Em 2016, o advogado Emmanoel Campelo, então conselheiro do CNJ, determinou, em decisão monocrática, que o Tribunal de Justiça de São Paulo instaurasse procedimento administrativo para reaproveitamento de Holland.

Campelo entendeu que, se o juiz não recebeu a pena máxima de aposentadoria compulsória, não haveria como ser punido eternamente com a disponibilidade.

“Nada justifica impedir que o apenado possa dar continuidade às suas atividades laborativas, essenciais que são para a preservação da dignidade pessoal e, além, para a realização dos ideários da alma”, escreveu o conselheiro na decisão.

O tribunal paulista estabeleceu então que Holland seria submetido a sindicância da vida pregressa, verificação da aptidão física, mental e psicológica, além de avaliação da capacidade técnica e jurídica.

A conselheira Daldice Santana, do CNJ, considerou ilegal essa avaliação, que não poderia ser seletiva. A defesa considerou que seria um novo concurso público, inaceitável para um magistrado vitalício.

Em julho último, o advogado de Holland, Cristovam Dionísio de Barros, requereu a inscrição do juiz no Núcleo de Estudos em Direito Processual Civil da Escola Paulista da Magistratura (EPM).

A inscrição foi indeferida. O Tribunal de Justiça informou que os cursos de pós-graduação são “destinados exclusivamente a magistrados da ativa”. O advogado viu “evidente resistência ao cumprimento da ordem do CNJ”.

No último dia 3, o presidente do TJ-SP, Manoel Pereira Calças, sustentou nos autos que Holland “busca, por via transversa, e o que é pior, em tom nitidamente emulativo [que busca direito que sabe inexistente], ressuscitar discussão já sepultada”.

Disse que não há impedimento à gradual reabilitação funcional, “ao contrário do que maliciosamente procura fazer crer o magistrado”, pois a escola disponibiliza acesso gratuito a mais de uma dezena de cursos de aperfeiçoamento.

A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, que representa Holland, pediu ao CNJ para determinar que o diretor da EPM inscreva Holland nos cursos regulares.

Consultados, o tribunal, o juiz Holland e seu advogado não quiseram se manifestar.

Caso do magistrado começou em 1992

1992 – O juiz Marcelo Holland Neto é afastado sob acusação de ter recebido um “relógio valioso” para alterar a apuração de votos e favorecer dois candidatos à Câmara Municipal de Guarulhos

1994 – TJ nega a volta do juiz ao cargo por considerar que suas infrações “revestem-se de intensa gravidade”

2004 – Holland recorre ao CNJ para voltar ao cargo, mas o órgão se nega a analisar o caso

2016 – Um conselheiro do CNJ, o advogado Emmanoel Campelo, manda que o TJ reintegre o juiz. O TJ pede para ele fazer uma série de avaliações, mas o CNJ considera esse pedido ilegal

2018 – O advogado de Holland pede que ele seja inscrito na Escola Paulista da Magistratura, mas o TJ rejeita o pedido porque os cursos são para magistrados da ativa

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