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Delator era amigo de Richa e compara tucano a Sérgio Cabral

É só o começo, diz Tony Garcia, que afirma ter entregado dinheiro na casa do ex-governador

Estelita Hass Carazzai
Curitiba

Antes de delatar figuras-chave da política paranaense e virar peça central na investigação que levou à prisão do ex-governador Beto Richa (PSDB), nesta semana, Antonio Celso Garcia, empresário e ex-deputado, teve seus dias de cárcere.

Acusado de liderar um esquema criminoso que desviou R$ 40 milhões num consórcio financeiro, Tony Garcia, como é conhecido, foi preso em novembro de 2004 pela Polícia Federal, suspeito de interferir na investigação. Mas a captura foi incomum: Garcia se escondeu no quintal do condomínio onde morava –segundo noticiaram alguns jornais da época, numa casinha de bonecas.

“Papo furado, nem tinha casa de boneca. Isso tudo é lenda para destruir minha imagem”, afirmou Garcia à Folha, que diz ter se escondido porque pensou que se tratasse de um sequestro. “A lenda é uma coisa, a verdade é outra.”

O ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), candidato ao Senado, teve a prisão preventiva decretada, mas foi solto por ordem do STF
O ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), candidato ao Senado, teve a prisão preventiva decretada, mas foi solto por ordem do STF - Rodolfo Buhrer - 19.dez.2016/Reuters

Amigo de juventude de Richa, com quem compartilhava a paixão por carros e corrida de kart, o ex-deputado estadual de 65 anos se tornou o centro da investigação que prendeu temporariamente o ex-governador e outras 14 pessoas na semana passada, sob suspeita de fraude à licitação e desvio de dinheiro público.

A delação de Garcia é o cerne do inquérito do Ministério Público do Estado. Foi homologada pela Justiça em 15 de agosto, cerca de quatro meses depois de o delator ter procurado os promotores –com gravações de fatos ocorridos cinco anos antes.

Seu advogado, Luiz Carlos Soares da Silva Junior, afirma que a opção foi feita em função de outras pendências de Garcia na Justiça: ele já havia feito uma delação antes, homologada pelo juiz federal Sergio Moro, mas que não foi reconhecida pela Justiça Estadual. Respondia a processos sob acusação de desvio de dinheiro público quando deputado e tentava aproveitar o antigo acordo, mas perdeu os recursos no fim do ano passado. Foi quando decidiu procurar o Ministério Público novamente.

“Não adianta procurar a esfera estadual [para denunciar um governador com foro privilegiado]. Você só vai se desgastar e não vai conseguir nada”, disse Garcia, ao justificar o momento em que decidiu apresentar provas à Justiça.

A condição para um novo acordo foi que Garcia trouxesse novas informações. E ele tinha.

O ex-deputado afirma que era uma espécie de interlocutor informal do setor privado durante o primeiro mandato de Richa (2011-2014). Levava empresários para negociar contratos e doações de campanha (inclusive por fora) a secretários estaduais e ao próprio Richa, segundo ele. Mas nega a pecha de lobista, e diz que o fazia para ajudar o amigo.

Num domingo de 2013, ao levar o tucano para passear num carro esportivo, ele gravou uma conversa em que o ex-governador fala de um “tico-tico” pago a um fornecedor do estado, e diz que é preciso “ir pra cima” para que o empresário pague a parte dele. Garcia também gravou conversas com empresários, que acertam a divisão de uma licitação e os repasses a serem feitos por fora, supostamente para a campanha do governador. Levantou suspeitas sobre o patrimônio da família Richa, citando permutas imobiliárias que teriam repasses por fora. Disse até que entregou dinheiro pessoalmente a Richa, no seu apartamento. E estimou os desvios do governo na casa dos milhões.

“Isso é só o começo. Vai ser tipo Sérgio Cabral”, disse à Folha, em referência ao esquema descoberto na gestão do ex-governador do Rio de Janeiro. “O principal beneficiado era ele [Richa].”

A defesa do ex-governador nega todas as suspeitas. Ao sair da prisão, na madrugada de sábado (15), Richa foi enfático: “A história de vida [de Garcia] não demonstra nenhuma credibilidade. Ao contrário”, declarou. “Aí eu pergunto: vale a palavra dele ou a minha palavra?”

A controversa trajetória do ex-deputado, que foi candidato ao Senado e à Prefeitura de Curitiba, começa pelo nome: corre a história de que ele adotou o Tony quando morou nos Estados Unidos. Lá, seria conhecido como Anthony Garibaldi.

Viria daí o nome do consórcio financeiro investigado por fraude financeira, o Consórcio Garibalddi, do qual ele era, segundo a Justiça, o verdadeiro controlador.

“Lenda urbana. Eu nunca morei fora do país, nem fui dono do Garibalddi”, disse. Ele atribui a escolha do nome do consórcio, com dois Ds, a um numerólogo famoso dos anos 1980.

Segundo a Justiça, Garcia colocou parentes em cargos-chave da empresa, e controlava o sistema paralelo que simulava contemplações, fraudando o consórcio e desviando dinheiro. Cerca de 1.500 pessoas jamais receberam os bens pelos quais pagaram. 

O juiz Sergio Moro, que condenou Garcia no caso em 2006, afirmou em despacho nesta semana que o ex-deputado é “pouco digno de crédito”. Além de crimes financeiros, Garcia ainda admitiu que pagou a um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na época para suspender a ação, e relatou casos de desvio de salários na Assembleia Legislativa, numa delação que ajudou a desvelar o esquema. O ex-deputado, apesar disso, nunca afirmou que fosse o dono do Garibalddi, no que Moro qualificou como “negação da realidade”.

Mas, no mesmo despacho recente, o magistrado considerou que a prova apresentada por ele neste ano ao Ministério Público Federal (que ajudou a fundamentar uma operação da Lava Jato nesta semana, e está entre as várias gravações entregues na nova delação) não tinha vícios. Uma perícia da PF atestou a autenticidade do áudio.

O Ministério Público Federal também reconheceu que o acordo que ele firmou na época do Garibalddi, depois refutado pela Justiça Estadual, foi “efetivo, amplo e eficaz”. O acordo atual, por sua vez, é descrito como sendo “de grande relevância” e de “interesse público”.

“A credibilidade das provas apresentadas por Tony está acima de tudo. Elas são robustas”, afirma o advogado Silva Junior.

Para Garcia, Richa o usou para fazer conexões e arrecadar dinheiro, e, depois, “virou as costas”. Aliados do tucano, ao contrário, o acusam de chantagem, e de agir por interesse pessoal.

“Ele me negligenciou, e eu pressionei”, disse o ex-deputado à Folha. “Você pode até entender como chantagem, mas olhe a minha situação: ele me deixou mal com gente que tinha ajudado na campanha. Você acredita em almoço grátis na política? Eu estava sendo ameaçado.”

Richa afirmou que irá responder às suspeitas “sem a menor dificuldade”, e sua defesa acusou a investigação de “oportunismo”.

A operação foi alvo de críticas, por ocorrer em período eleitoral. Richa, libertado no sábado (15) por decisão do STF, é candidato ao Senado, e ocupava o segundo lugar nas pesquisas quando foi detido. 

O procurador de Justiça Leonir Batisti, coordenador do núcleo que comandou a operação no Paraná, admite que o momento não foi o mais oportuno. Mas afirma que o Ministério Público agiu de boa-fé na prisão de Richa, e que as investigações seguiram o curso natural.

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