Em 2003, Jaguaribe defendeu corte de juros e redução de consumo para elevar poupança

Membro da ABL, sociólogo morreu neste domingo (9) no Rio aos 95 anos

São Paulo

Em entrevista publicada na Folha em agosto de 2003, o sociólogo e cientista político Helio Jaguaribe defendeu a queda dos juros e a redução forçada do consumo da elite para elevar o nível de poupança do país, historicamente baixo.

Jaguaribe, imortal da ABL (Academia Brasileira de Letras), morreu neste domingo (9), no Rio, aos 95 anos. Ele estava em sua casa, em Copacabana, e foi vítima de falência múltipla dos órgãos.

O cientista político Hélio Jaguaribe, morto neste domingo (9)
O cientista político Hélio Jaguaribe, morto neste domingo (9) - Patrícia Santos/Folhapress

Leia a entrevista abaixo:

 

Jaguaribe propõe novo projeto de desenvolvimentismo

VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL 

Dois eventos recentes marcaram a biografia do sociólogo e cientista político carioca Helio Jaguaribe. Completou 80 anos de idade em abril e, depois de mais de 23 anos no cargo, deixou de ser o decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes). Desde o dia 1º deste mês, a função é exercida por Francisco Weffort, ex-ministro da Cultura.

As oito décadas de vida e a "aposentadoria" (agora é decano emérito do Iepes) não significam que Jaguaribe tenha se retirado do debate intelectual. Enquanto começa a enfrentar um novo e ambicioso roteiro de estudos -centrado na indagação sobre "O Posto do Homem no Cosmos", veio aberto pelo filósofo alemão Max Scheler (1874-1928)-, não se despe do hábito de propor modelos de desenvolvimento para o Brasil.

No final do ano passado, Jaguaribe lançou o pequeno volume "Brasil: Alternativas e Saída" (Paz e Terra); agora acaba de escrever um artigo intitulado "Para um Neodesenvolvimentismo Brasileiro, Nacional e Social".

O objetivo é ambicioso: acelerar a taxa de crescimento da economia, que foi de 1,5% do PIB no ano passado e deve manter-se em patamar semelhante em 2003, para algo em torno de 7%.

Em entrevista à Folha, Jaguaribe disse que, nas suas estimativas, o Brasil não dispõe de mais do que duas décadas para atingir um nível de desenvolvimento suficiente para escapar do clube das nações dependentes. "É preciso que, nesses 20 anos, o Brasil atinja um nível social equivalente ao da Espanha de hoje e um nível econômico e tecnológico equivalente ao atual da Itália", afirmou.

Obrigados a poupar

O salto no crescimento, de acordo com a proposta, se daria mediante um rápido e volumoso aumento dos investimentos em setores considerados prioritários. Para liberar os recursos necessários, o sociólogo defende duas ordens de medidas.

Em primeiro lugar, os juros reais básicos deveriam ser reduzidos à metade de seu patamar atual até o fim do governo Lula e os dispêndios previdenciários deveriam diminuir em função do PIB através da reforma do sistema de pensões. Em segundo lugar, propugna pela adoção de um sistema compulsório de poupança para os mais ricos.

O contribuinte mais bem aquinhoado seria obrigado a usar parte de sua renda para subscrever títulos de poupança de longo prazo. Os recursos financiariam projetos de investimento prioritários "de infra-estrutura, de desenvolvimento e, eventualmente, de melhoria social". Parte da renda desses empreendimentos, no futuro, retornaria aos detentores dos títulos, por exemplo, sob a forma de juros. Mas como justificar politicamente essa medida drástica?

Segundo Jaguaribe "os setores altos da classe média européia têm um nível de vida inferior ao dos setores altos da classe média brasileira, o que é um absurdo. Já que os setores altos da nossa classe média não estão poupando espontaneamente, o interesse nacional impõe a necessidade de uma poupança compulsória".

Queda substancial dos juros, diminuição do déficit previdenciário e redução forçada do consumo da elite, de acordo com o que escreve o decano emérito do Iepes, seriam suficientes para elevar a "taxa de poupança nacional, ora da ordem de 18% do PIB, para não menos de 25%".

O caminho de Lula

Ex-ministro da Ciência e Tecnologia (governo Collor), Jaguaribe concorda com a opção da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva de, inicialmente, adotar a ortodoxia na área econômica. Essa política, para o sociólogo, logrou aplacar a desconfiança, gerada por "intrigas domésticas e internacionais", em relação à atuação de um partido de esquerda no governo.

Mas "o problema que se apresenta a partir dessa conquista é o seguinte: se continuar assim, continuará o mercado a bater palmas, e o Brasil vai à breca", diz.

Para que isso não ocorra, é urgente, argumenta, que os "setores competentes do governo promovam um esforço de planejamento do modelo alternativo".

Embora tenha tido forte participação na origem do PSDB, Jaguaribe enxerga com ceticismo a trajetória do partido.

"O PSDB perdeu a sua marca social-democrata. Ficou um partido de uma esquerda muito "light", muito internacional, muito "Tony Blair". A meu ver, hoje a bandeira da social-democracia está sendo empunhada pelo setor positivo do PT", afirma.

Porém, para o cientista social, a melhor solução política seria uma fusão entre o estrato social-democrata do PSDB e o do PT, devidamente expurgados os segmentos petistas chamados de "radicais".

Na sua opinião, tal coalizão social-democrata tenderia a ser majoritária no Brasil. Por isso, libertaria o presidente da República da necessidade de buscar alianças partidárias ad-hoc -caso das tratativas em curso entre o governo Lula e o PMDB- e a viabilizar a implantação de um programa "neodesenvolvimentista".

Mais que um prefixo

Pode soar estranho que Jaguaribe tenha acrescentado o prefixo "neo" ao termo "desenvolvimentismo". Afinal, seu nome está associado à corrente nacional-desenvolvimentista do pensamento brasileiro, que teve no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (1955-64) o seu símbolo maior.

Sobre o nacional-desenvolvimentismo, Jaguaribe diz que continua acreditando "no essencial desse conceito". Mas, segundo o cientista político, "a palavra ficou com a conotação de um nacionalismo estreito, e eu sou favorável a um nacionalismo de fins, e não de meios, um nacionalismo aberto, inteligente. Desse modo, agora prefiro o termo "neodesenvolvimentismo" com forte consciência nacional e social".

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