Indefinição do governo adia processo de extradição de doleiros

AGU não sabe se terá representante no Uruguai em ação de réus da Operação Câmbio, Desligo

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São Paulo

Uma indefinição do governo federal tem atrasado o julgamento do processo de extradição de doleiros presos preventivamente no Uruguai desde maio, quando foi deflagrada a Operação Câmbio, Desligo.

Quase cinco meses após as prisões, a AGU (Advocacia-Geral da União) não sabe se irá constituir um advogado local que represente os interesses do Brasil na causa —ou seja, a extradição e reparação de prejuízos aos cofres públicos.

A medida deve beneficiar a defesa dos doleiros, os irmãos Jorge e Raul Davies, que têm dupla nacionalidade e querem responder ao processo em liberdade e sem precisar sair do Uruguai. Eles foram denunciados sob acusação de associação criminosa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, mas negam ter cometido irregularidades.

Os Davies, que também são réus em processo da Operação Lava Jato, movimentaram US$ 25 milhões entre 2011 e 2017, segundo os delatores da operação, os também doleiros Vinicius Claret (conhecido como Juca) e Cláudio Barbosa (o Tony).

Os recursos operados pelos irmãos chegaram ao menos ao ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) e ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).

Na Câmbio, Desligo, outros dois doleiros uruguaios, Francisco Melgar e Raul Zoboli Pegazzano, também têm pedidos de extradição feitos pelo Ministério Público Federal.

Em julho, os procuradores que atuam na operação pediram à Justiça uruguaia que uma audiência designada para 2 de agosto fosse adiada "para que o Estado brasileiro possa se fazer representar junto ao juízo da extradição".

No entanto, apesar de a AGU ter iniciado o processo de contratação de um advogado, suspendeu a medida após ser notificada pelo Itamaraty de que não seria obrigatório ter um representante no Uruguai por causa de uma mudança, do mês de agosto, na legislação local. 

"A AGU foi informada pelo Ministério de Relações Exteriores, no início de setembro, que a lei processual penal uruguaia havia sofrido alterações de modo a tornar, a partir de então, a constituição de advogados facultativa e não mais obrigatória", diz a Advocacia-Geral da União em nota.

"Dessa forma, a AGU considerou suspender o procedimento, por medida de cautela, até que receba uma confirmação formal de que tal representação efetivamente não será necessária para os casos em curso, seja da Justiça uruguaia, seja do MRE."

Caso a desistência da representação no local seja confirmada, a tramitação da causa deve ficar mais lenta.

Isso, de um lado, reforçará o pedido de habeas corpus que os Davies têm no Supremo Tribunal Federal e que afirma que a manutenção das prisões deles é ilegal. 

A solicitação está no gabinete do ministro Gilmar Mendes. Como a prisão dos doleiros foi feita com fins de extradição, caso o habeas corpus seja concedido, a volta da dupla ao país pode se tornar inócua.

Um dos argumentos da defesa em favor do habeas corpus é de que o governo tem sido negligente no caso. "Eles [o governo] foram intimados para constituir um advogado uruguaio. Por que estão interpretando uma intimação?", questiona Antônio Sérgio Pitombo, advogado dos Davies.

A ausência de um representante do Brasil no local do processo também deve enfraquecer o pedido de extradição, segundo especialistas em direito internacional ouvidos pela reportagem. "Lá no Uruguai os doleiros vão ter seus advogados para defendê-los, no sentido de mantê-los no Uruguai. Quem vai defender os interesses do Brasil?", diz Maristela Basso, professora de direito internacional da USP.

O próprio Ministério Público Federal aponta, em nota, que pediu o adiamento de audiências ao Uruguai "em razão do interesse que a causa tem [para o país], seja pelo volume financeiro, seja pelo impacto na organização criminosa" e ainda "pela formação de precedente no processo de extradição". 

Mesmo sem representante do Brasil, a Procuradoria diz que já houve uma primeira audiência "e a segunda deve ocorrer brevemente".

Interlocutores apontam que, no processo, os Davies devem se valer de terem nascido no Uruguai para não deixarem o país. "A Constituição diz que um brasileiro nato não pode ser extraditado em caso de crime comum. Por reciprocidade, isso deveria ser aplicado aos uruguaios", diz o advogado José Augusto Marcondes de Moura, que defende outro réu do processo, o doleiro Dario Messer, que está foragido.

Apesar dos atrasos na ação, o Ministério Público Federal do Rio diz em nota que “os procuradores acreditam que a tramitação está seguindo seus trâmites normais e o Uruguai tem sido um excelente parceiro, em termos de cooperação jurisdicional, atuando em conjunto com o Brasil no combate aos crimes transnacionais no cone sul”.

Procurado, o Itamaraty disse apenas que desde agosto “passou a ser uma faculdade a designação de advogado para a representação do Estado requerente em processos de extradição naquele país”.

 
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