Por 6 votos a 1, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou nesta quinta (27) pedido do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) de direito de resposta a reportagens publicadas pela Folha sobre Walderice Santos da Conceição.
Walderice foi demitida do cargo de assessora do gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados após o jornal noticiar que ela vendia açaí, na hora do expediente, na Vila de Mambucaba, na região de Angra dos Reis. Bolsonaro tem uma casa de veraneio no local.
O ministro Carlos Horbach, relator da ação, já havia negado em caráter liminar (decisão provisória) o pedido feito por Bolsonaro.
Os advogados do deputado haviam pedido ao TSE que determinasse à Folha a publicação de um texto de retratação escrito por eles e que retirasse de seu site as reportagens sobre Wal.
Durante a sessão, Horbach destacou que a Folha acompanhou o dia a dia da funcionária e constatou que ela não é identificada pela população local como servidora do gabinete de Bolsonaro.
"Neste contexto, repito, de jornalismo investigativo, conclui a reportagem tratar-se de uma servidora fantasma, entre aspas", disse.
"Ainda que isso possa gerar para a servidora uma série de constrangimentos e, para o candidato, uma série de contratempos em sua campanha presidencial", acrescentou.
A defesa de Bolsonaro classificou as reportagens como calúnia e pediu direito de resposta argumentando que o material está sendo explorado politicamente por seus adversários na campanha eleitoral.
"A mensagem da liberdade de imprensa está escancarada mas é necessário estender para o compromisso constitucional", disse o advogado do presidenciável, Tiago Ayres.
O voto de Horbach foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Jorge Mussi, Og Fernandes e pela presidente do tribunal, Rosa Weber.
Já o ministro Admar Gonzaga entendeu que cabia direito de resposta.
"Sou contrário à percepção de que o direito de resposta afronta ou confronta a liberdade de comunicação ou informação. Ao contrário, entendo que o direito de resposta faz parte dessa liberdade", disse.
"Entendo que aqui, as manchetes, 'assessora fantasma continua vendendo açaí'... a mim causa percepção de ofensa. Nem entendo que a informação tem que ser inverídica [para determinar direito de resposta]", afirmou Gonzaga.
Durante o julgamento, a presidente do TSE perguntou se a Folha procurou Bolsonaro.
O ministro Horbach afirmou que o jornal informou nas reportagens que procurou o político.
"Há nos autos a informação da Folha de que esteve aberta para ouvir a outra parte", disse Horbach. "Em momento nenhum essa informação foi posta em xeque", afirmou.
Rosa fez considerações sobre a importância da liberdade de imprensa e o papel do trabalho jornalístico.
"Entendo e reafirmo que imprensa livre é pilar da democracia", disse Rosa. "Sou não só uma observadora do texto constitucional como uma entusiasta e defensora desta ideia", acrescentou.
"Mas entendo que assume uma gravidade imensa e também fere a Constituição um órgão de comunicação atribuir a um cidadão a prática de um crime sem oportunizar a esse cidadão sobre o fato para que se manifeste. Vemos rotinamente", afirmou.
"Estabelecer o contraditório é imprescindível. Mas se aqui no caso foi oportunizado e houve um silêncio", disse a presidente do tribunal.
O vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, defendeu a liberdade jornalística e disse que não comporta intervenção judicial neste caso.
FANTASMA
Em janeiro, a Folha revelou a existência da funcionária fantasma de Bolsonaro. De acordo com pessoas da região, Wal, como é conhecida, presta serviços particulares na casa de Bolsonaro e tem como principal atividade o comércio chamado Wal Açaí.
No dia 13 de agosto, o jornal flagrou Walderice trabalhando em sua loja de açaí na hora do expediente da Câmara. Após a publicação de reportagem na Folha, Bolsonaro anunciou a sua exoneração.
A Folha pede desde janeiro a Bolsonaro e assessores que apresentem documentos indicativos do trabalho legislativo feito por Walderice nos 15 anos em que figura como secretária parlamentar. Até hoje não houve resposta.
Entre os dias 13 e 15 deste mês, o jornal publicou ao menos três textos com afirmações do candidato sobre sua ex-assessora.
Em uma delas, Bolsonaro acusa a imprensa de tentar transformá-lo em criminoso.
“Procuraram minha mãe, caluniaram meu pai, reviraram minha infância e agora atacam uma funcionária que além de sua função tirava uma renda extra [vendendo açaí], como qualquer brasileiro humilde. A imprensa tenta me tornar criminoso, mas nem ela acredita, senão estaria me bajulando até na cadeia”, disse o candidato.
A Folha ainda reproduziu vídeo publicado por Bolsonaro em que ele nega que Wal tivesse sido funcionária fantasma. No vídeo, ela negou ser dona da loja Wal Açaí e disse que não prestava serviços na casa de veraneio de Bolsonaro —só alimentava e dava água aos cachorros do deputado.
Seu salário na Câmara era de cerca de R$ 1.400. Desde a publicação da primeira reportagem em janeiro, Walderice recebeu R$ 17 mil em salários e benefícios. Ela disse ao jonal que caberia ao deputado responder sobre eventual uso irregular de dinheiro da Câmara.
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