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Acadêmicos de Chicago temem associação entre universidade e excessos de Bolsonaro

Paulo Guedes, fiador do candidato do PSL junto ao mercado, é doutor em economia pela instituição

Fernanda Mena
Chicago

Parte da comunidade acadêmica da Universidade de Chicago, uma das mais importantes dos Estados Unidos, está preocupada com o modo como a campanha do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) utilizou a reputação da instituição de ensino para se legitimar.

Paulo Guedes, guru econômico da campanha Bolsonaro e principal fiador do capitão reformado junto à elite econômica brasileira, é doutor em economia pela Universidade de Chicago, célebre tanto pela difusão do pensamento e de políticas liberais quanto pela excelência acadêmica.

"Temos a responsabilidade de sermos vigilantes e não deixarmos que nosso nome seja usado para justificar nenhum tipo de violência", afirmou Brodwyn Fischer, professora de história da América Latina da universidade, em debate na última quinta-feira (25) sobre o futuro da democracia brasileira.

O painel, que reuniu Fischer e os cientistas políticos Benjamin Lessing e Yanilda González, foi o segundo debate do recém-inaugurado Centro Sobre Democracia da universidade, cuja missão é "abordar a preocupação crescente, entre acadêmicos e o público em geral, de que a democracia esteja sob risco" em várias partes do mundo.

Segundo Fischer, a marca e a confiança que a universidade inspira foram usadas para que boa parte do chamado centrão político simpatizasse com sua plataforma econômica sem se preocupar com o restante do pacote Jair Bolsonaro —"mais um militarista e um desenvolvimentista do que um liberal", diz a professora.

Ela lembra que houve grande desconforto na universidade quando economistas recém-formados na instituição formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet (1915-2006), no Chile.

Eles eram conhecidos como os Chicago Boys. "De certa maneira a universidade foi usada para justificar políticas deploráveis em termos de direitos humanos como necessárias para se atingir o neoliberalismo desejado", avalia. "E não existe política que justifique um Estado violento."

Fischer analisou as plataformas de ambos os presidenciáveis. Enquanto Bolsonaro se mostraria contrário a noções de direitos e de igualdade, Fernando Haddad (PT) evocaria 1988, ano da promulgação da Constituição, ao tratar de direitos civis e sociais e de instrumentos de democracia participativa no seu programa.

"Para muita gente, de várias classes e raças, soa como promessa vazia essa retórica do PT de que é preciso voltar aos tempos supostamente triunfantes em que o partido governava e havia direitos civis e sociais", diz. "Isso porque muita gente não acessava esses direitos, em especial na área da segurança, o que gerou descrença na capacidade das instituições brasileiras de entregar esses direitos para a população."

Especialista em segurança pública, Lessing falou sobre a atuação de Bolsonaro durante o referendo do desarmamento, em 2005, e sobre como sua política é centrada na ideia de armar a população e dar carta branca para policiais matarem bandidos. "Lembro que a polícia mata mais de 5.000 pessoas por ano no país sem que isso tenha resultado numa sociedade mais segura."

Para ele, tanto no caso de Bolsonaro com no de Trump, nos EUA, as pessoas foram, de certa forma, pegas de surpresa. "Precisamos entender melhor quais são avisos prévios da ascensão deste tipo de liderança autoritária e antidemocrática", diz.

"Mais do que saber como as democracias morrem [em alusão ao livro de Steven Levitsky], precisamos saber como as democracias podem sobreviver. Esse guia poderia ter sido usado no Brasil três semanas atrás."

Ao tratar do papel das redes sociais e do WhatsApp na disseminação de informações falsas e de conteúdo político, brincou: "A Lei Seca parece uma restrição de direitos, mas algumas pessoas acharam que não é boa ideia votar bêbado. Então talvez precisemos pensar numa Lei Seca para Twitter, Facebook e WhatsApp duas semanas antes do dia do voto para evitar que as pessoas cheguem às urnas cheias de raiva".

Finalmente, González falou que avisos prévios sobre a ascensão de uma figura autoritária já estavam disponíveis no país. Ela citou o exemplo da atuação policial no país, em que casos de tortura, execuções e falta de transparência estão em toda parte.

"No lugar de proteger cidadãos do crime, as polícias usam práticas arbitrárias e coercitivas, e não são responsabilizadas por elas. São instituições que nunca fizeram a transição da ditadura para a democracia, o que criou um ambiente favorável para a ascensão de Bolsonaro", avaliou a cientista política.

De acordo com ela, a democracia brasileira tem expressado a demanda da população por práticas e instituições autoritárias. "Isso está presente tanto nos Conselhos de Segurança, instância de participação direta em que ouvi aplausos para o policial que havia matado um suspeito, e também no número crescente de ex-policiais e ex-militares eleitos para cargos legislativos."

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