Descrição de chapéu Eleições 2018

Clima de festa tomou conta da portaria de Bolsonaro antes mesmo da vitória anunciada

Com cerveja, música e defesa de valores tradicionais, eleitores e aliados de Bolsonaro rechaçaram ideologia de esquerda

Lucas Vettorazzo
Rio de Janeiro

Apoiadores de Jair Bolsonaro ocupavam, ao longo de dois quarteirões, as duas pistas da avenida em frente ao condomínio do candidato do PSL, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para aguardar o resultado nas urnas na noite de domingo (28).

Pouco antes das 19h, ninguém havia anunciado oficialmente, por meio do trio elétrico instalado no local, que o candidato escolhido pelas pessoas ali estava virtualmente eleito, mas alguns sinais começavam a pipocar aos poucos nos celulares de quem ainda contava com um sinal decente de internet no meio da multidão.

“O seu celular tá funcionando? Vê como tá a votação do juiz”, dizia um eleitor a outro, sobre o candidato ao governo do estado do Rio, o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC).

 
Festa da vitória de Jair Bolsonaro para a Presidência da República
Festa da vitória de Jair Bolsonaro para a Presidência da República - Leo Correa - 28.out.2018/AP

A boca de urna e o início da apuração indicavam vitória sobre seu adversário, o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM).

O desempenho do ex-magistrado, que buscou colar sua imagem na de Bolsonaro durante a campanha, dava uma mostra aos ali presentes do que esperar no cenário nacional.

A confiança na vitória era total. Famílias com filhos nos ombros e grupos de jovens com isopores de bebida esperavam o passar das horas, numa espécie de comemoração e protesto contra o PT e visões de mundo de esquerda.

Por volta das 19h30, uma onda de euforia tomou conta daquele trecho da orla da Barra. Fogos de artifício eram lançados ao céu, em meio a uma forte ventania, que muitas vezes lançava os artefatos em trajetórias imprevisíveis. 

Chuva de cerveja, abraços e gritos de “mito” seguiram ao momento em que, apesar do resultado ainda não oficializado, a multidão se dava conta de que não havia mais risco de Bolsonaro não ser confirmado como o próximo presidente.

Na cobertura do prédio ao lado do condomínio de Bolsonaro, uma potente caixa de som foi instalada, de onde eram tocados à exaustão o hino nacional e também um hit de campanha, criado por um rapper venezuelano.

“Capitão, levanta-te, porque o povo brasileiro precisa de você”, diz os primeiros versos da música, cantada em português por intérprete com forte sotaque espanhol.

Até ali já estavam na casa do candidato o que deve ser a cúpula do governo que assume em 1º de janeiro: o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan Garcia, possível ministro da Agricultura, o general da reserva do Exército Augusto Heleno, anunciado como o próximo ministro da Defesa, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM), futuro ministro da Casa Civil, e o senador Magno Malta, que não conseguiu ser reeleito pelo Espírito Santo, mas que deverá ter cargo de destaque no novo governo em razão de sua fidelidade a Bolsonaro.

O público vibrou quando Alexandre Frota, ex-ator pornô e deputado eleito por São Paulo pelo PSL, cruzou a multidão em direção à portaria de Bolsonaro.

Pais e mães colocavam seus filhos para tirar selfies com o agora político, que se notabilizou nos últimos anos entre militantes da direita por discursos contra a esquerda em redes sociais.

Jornalistas se espremiam num cercadinho improvisado para a imprensa e dividiam sua atenção entre o público e a romaria de políticos e apoiadores.

O sentimento geral entre os presentes era de desconfiança e até agressividade com a imprensa tradicional. A maioria dos profissionais no local evitava exibir crachás com o nome das empresas em que trabalhavam. 

 “É da Folha?”, perguntou um senhor à reportagem ao ser abordado para comentar o resultado que se desenhava. “Com vocês eu não falo porque tudo o que vocês escrevem é manipulado”, justificava. “A Folha é da Globo”, repetia uma outra, ao lado.

A aposentada Maria José Santiago, 70, estava nesse grupo e decidiu dar suas impressões. “Falo porque sou democrata”.

O sentimento da aposentada resumiria uma sensação comum de eleitores em relação a pontos-chave da campanha de Bolsonaro. Ela contou estar cansada da corrupção e assustada com a violência que assola o estado do Rio. 

A mudança definiu seu voto, que acabou optando no governo do Rio por Paes em detrimento de Witzel, a quem se referiu como “farsa”.

“Votei [no Bolsonaro] porque ele vai dar um jeito nessa cambada. A caixa-preta da corrupção do BNDES será aberta. O Exército vai ter autoridade e a polícia, também. Agora vai”, dizia.

Questionada sobre o que achava de grupos parlamentares que já declararam apoio a Bolsonaro, como ruralistas, evangélicos ou ligados à bancada da bala, disse não se preocupar. Na área econômica, afirmou ter confiança de que o novo presidente estará bem assessorado.

“Ladrão sempre vai ter, não tem jeito, mas acho que ele vai acabar mesmo com a corrupção no governo. Ele escolheu um time de primeira linha. Ninguém ali tem conchavo”, dizia ela, que interrompeu a entrevista quando a imagem de Bolsonaro surgiu no telão, para o primeiro pronunciamento à nação como presidente eleito, por meio de uma transmissão ao vivo pelas redes sociais.

O áudio baixo que saía do equipamento e a festa geral no entorno, com fogos e música, faziam das palavras do presidente eleito quase inaudíveis para os que estavam ali.

Eleitores se movimentaram para o mais próximo possível do cordão de isolamento feito pela polícia e com a ajuda de seguranças privados na porta do condomínio, visto que já circulava entre as pessoas a informação de que Bolsonaro poderia deixar sua casa e fazer um aceno pessoalmente à multidão na rua, o que mais tarde não se confirmaria.

Ali começava um movimento parecido com as filas para camarotes de baladas, com pessoas tentando furar o cordão de isolamento e tentando acesso mais próximo ao condomínio do presidente eleito.

“Eu sou moradora, preciso passar”, dizia uma mulher acompanhada de outras cinco pessoas e um isopor de gelo com bebida. Os seguranças abriam as grades e permitiam a entrada a depender do desenrolar da conversa. “Liga lá na casa 11 e diz que estamos aqui”, dizia uma outra moça ao segurança. Um homem foi barrado tentando se passar por vereador do PSL. “Eu fui convidado”, dizia ele. “Convidado de quem?”, rebatia o segurança. “Convidado da festa, do pessoal ai”, dizia, mostrando um santinho eleitoral amassado.

O ator Sandro Rocha, que participou dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, foi um dos que conseguiu atravessar o bloqueio e receber autorização para estar mais perto de Eduardo Bolsonaro, deputado reeleito em São Paulo, que estava do outro lado do cordão de isolamento.

Cercado por seguranças, que avançavam na base do empurra-empurra, Eduardo Bolsonaro cruzou as quatro pistas da avenida Lúcio Costa e o canteiro central da orla até chegar ao trio elétrico posicionado do outro lado da rua, nas pistas mais próximas à areia da praia.

"Tem um monte de caixa 2 aqui", gritou ele, do carro de som. "Falaram que ele [Jair Bolsonaro] tinha um teto, que iria desidratar, que não tinha partido grande e nem tempo de TV, e vocês estão aqui", discursou ele do carro de som.

Do lado de dentro do condomínio onde Bolsonaro tem residência, a festa ocorria desde o início do dia. Por volta das 19h20, quando o resultado já era dado como matematicamente certo, vizinhos foram demonstrar seu apoio ao presidente eleito, que preferiu evitar tumultos com pessoas de fora de seu círculo mais íntimo, alegando questões de segurança.

Às 21h, Bolsonaro deixou sua casa pela porta dos fundos e seguiu para a residência de um dos filhos na rua paralela do condomínio. Era ali que o astronauta Marcos Pontes dizia a quem quisesse ouvir que seria o próximo ministro da Ciência e Tecnologia.

O público do lado de fora também vibrou quando Magno Malta subiu no trio elétrico e discursou para quem ainda estava na orla. Com a voz rouca e falhando já no fim do dia, ele pregou como se falasse a fiéis de uma igreja, com discurso agressivo, em defesa de valores conservadores.

Em momento paradoxal, Malta puxou uma oração a um público que comemorava com garrafas de cerveja na mão. “Tem cristão aqui?”, perguntou ele, enquanto eleitores erguiam os braços. “Quem é católico? E evangélico? E espírita?”, perguntava. O público reagia melhor quando ele direcionava ataques ao PT e ideologias de esquerda.

Os apoiadores respondiam em coro que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Quando Malta falou sobre a possibilidade de o cidadão comum ter acesso com menos restrições a arma de fogo, um grupo de homens reagiu aos gritos de “mito” e de “Ustra”, em referência ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, único militar brasileiro formalmente denunciado por tortura durante a ditadura militar.

Um rapaz de cabelos longos, cavanhaque e camisa de flanela chegou a fazer discreta queixa quando Malta afirmou que a partir de primeiro de janeiro não haveria “liberação da droga no Brasil”. “Nem maconha, senador?”, perguntou baixinho esse eleitor a um amigo que estava ao seu lado.

Algumas pessoas que conversaram com a reportagem neste momento se negaram a dar seus nomes, alegando temer que suas falas fossem manipuladas.

Uma mulher em torno de 40 anos acompanhada do marido e da filha, moradores da região, afirmou que há anos que esperava o fim de governos de esquerda no Brasil.

Ela disse que o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, já mostrava que o eleitorado migraria para um candidato com discurso forte contra a corrupção e também contra o que ela chamou de assistencialismo, como Bolsa Família e cotas raciais para universidades. “Eles querem dividir o país, mas o povo é um só e está do lado do Bolsonaro”, disse ela.

Enquanto os apoiadores faziam a festa, futuras autoridades do governo davam pistas das primeiras ações da gestão na direção de eliminar o que eles classificam de ideologia no executivo.

O futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, afirmou que a “prioridade não é o Mercosul”. A afirmação foi feita em tom de crítica a uma pergunta de uma jornalista argentina sobre a aliança de comércio exterior criada 1991 pelo governo de Fernando Collor.

"De novo, pergunta mal feita. A pergunta é a seguinte: eu só vou comercializar com Venezuelana, Bolívia e Argentina? Não", disse, em referência equivocada sobre os países que compõem o bloco, formado, na verdade por Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela, estando o último suspenso desde dezembro de 2016.

Apesar das críticas gerais a conceitos de esquerda e o rechaço completo ao PT, coube ao presidente interino do PSL, Gustavo Bebianno, dizer que Bolsonaro governaria para todos os brasileiros e com base no jogo democrático.

"Vamos lidar com a oposição dentro das regras do jogo, trabalhando para ser governo de centro-direita, com maioria do Congresso, pautando aquilo que a gente acredita que é positivo para o Brasil, de acordo com as regras e jogando o jogo democrático". 

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