Descrição de chapéu Eleições 2018

Como governadores, Anastasia e Pimentel não enfrentaram déficit da Previdência, dizem especialistas

Gasto com aposentadoria é a causa do rombo que um tenta atribuir ao outro em eleição polarizada

Carolina Linhares
Belo Horizonte

Apontar a responsabilidade por um déficit de R$ 8 bilhões nas contas de Minas Gerais é o principal embate entre os adversários Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador (2010-2014), e Fernando Pimentel (PT), atual governador, na corrida pelo Palácio da Liberdade.  

O petista afirma ter recebido um estado quebrado, que sofreu mais ainda com a crise econômica e com o que ele chama de cerco do governo Michel Temer (MDB).

O tucano rebate dizendo que o parcelamento de salários de servidores e a falta de repasses às prefeituras começou em 2016, portanto não se trata de herança e não tem ligação com o governo federal.

Candidato Antonio Anastasia
Candidato Antonio Anastasia - Hugo Cordeiro 02.out.2018/Folhapress

Para especialistas consultados pela Folha, porém, a crise é mais profunda do que a disputa retórica evidencia. “O problema vem se arrastando há muito tempo e diz respeito ao tamanho da folha de pagamento e à Previdência.

Em algum momento, iria estourar independentemente de quem fosse governador”, diz o professor Mauro Ferreira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“É algo estrutural, que está para além da gestão estadual”, completa Fabrício Missio, também da UFMG, alertando que outros estados e o governo federal também enfrentam essa situação.

Os professores avaliam que tanto o governo tucano, que teve início com Aécio Neves (PSDB) em 2003, como o governo petista não agiram para enfrentar de vez o déficit da Previdência, que hoje chega a R$ 16 bilhões.

“Todos os governadores têm parcela de culpa pelo fato de nenhum ter proposto mudança. Esse jogo de empurra é o jogo político, mas existe uma situação grave que todos estão evitando corrigir”, diz Ferreira.
“Nenhum dos dois coloca isso na mesa, porque é impopular, mas quem vencer a eleição terá que encarar”, completa Missio.

Os especialistas apontam como caminhos uma reforma da Previdência que amplie as alíquotas de contribuição e que atinja servidores do Legislativo e Judiciário.

“O que não pode é usar receita de impostos para pagar Previdência. Faz com que 20 milhões de mineiros tenham que pagar a conta de 255 mil inativos”, afirma Missio.

Os professores dizem ainda que mudanças virão na esteira do que o governo federal fizer a respeito e, até que isso ocorra, Minas terá que apostar em controle fiscal.

Uma opção é mudar a forma de financiar a Previdência, criando fundos capitalizados, algo que os dois candidatos defendem.

Pimentel condiciona a proposta a uma vitória de Fernando Haddad (PT) na Presidência. O petista pretende criar um fundo com imóveis, divida ativa e créditos a receber da União, como R$ 134 bilhões da Lei Kandir.

Até que obtenha uma parceria do Planalto para isso, já afirmou que continuará cobrindo o déficit com receitas extraordinárias, por vezes contestadas.

Anastasia também afirma que precisará de ajuda da União para criar fundos para a Previdência e reivindica os recursos da Lei Kandir.

Segundo ele, os estados devem se adequar a uma reforma da Previdência capitaneada pelo governo federal que mantenha direitos adquiridos.

O tucano também defende austeridade, com cortes em cargos, viagens, carros e até telefonia, mas admite que é uma questão de dar exemplo: a economia gerada, de milhões, não cobre o rombo.

De qualquer forma, afirmam os economistas, o próximo governo terá alguma vantagem, porque a economia e as receitas começam a se recuperar.

A crise com Pimentel foi agravada pela recessão, especialmente num estado que depende de commodities, como o minério de ferro. “É a maior crise da história do país, não tem muita saída”, diz Missio.  

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 foi aprovada com um déficit de R$ 5,6 bilhões. Na semana passada, porém, o governo encaminhou a Lei Orçamentária Anual com previsão de rombo de R$ 11,4 bilhões. 
Outros candidatos calculam um déficit bem maior para Pimentel, chegando a R$ 30 bilhões.

Eles incluem na conta dívidas como R$ 8 bilhões em repasses às prefeituras, R$ 7 bilhões de precatórios, R$ 700 milhões por veículos novos e R$ 924 milhões sequestrados de créditos consignados, entre outros.

O governo diz que já pagou ou negociou boa parte disso. O governo petista, por sua vez, aponta maquiagem nos números de Anastasia, que nega.

O déficit registrado ao final de 2014 foi de R$ 2,2 bilhões, mas, segundo a Secretaria de Fazenda, havia restos a pagar e cálculos equivocados, elevando o desfalque para R$ 7,2 bilhões.

Thiago Borges, professor do Ibmec, diz que, sim, há possibilidade de que ambos tenham deixado déficits maiores do que divulgam, mas que é impossível saber os números com precisão.

ESCOLHAS ERRADAS

Na avaliação de Borges, uma sucessão de escolhas erradas em ambos os governos acentuou o quadro. “Foram escolhas no sentido de não segurar tanto a despesa quanto era necessário”, diz.

Ainda assim, tucano e petista cortaram gastos no cenário de crise, que começou a se desenhar em 2013.

Outro passo em falso, afirma, foi a extinção do Funpemg (Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais) pelo governo Anastasia em 2013.

Já com dificuldade de caixa, o tucano transferiu R$ 3,2 bilhões do fundo criado para novos servidores e com regime de capitalização para um outro fundo deficitário da Previdência, de repartição simples.

O tucano justifica dizendo que resolveu unificar os fundos que tinham o mesmo objetivo. Na tentativa de melhorar o fluxo de caixa, Pimentel também buscou receitas extraordinárias e foi contestado na Justiça, pela Assembleia ou pelo Ministério Público.

Mais recentemente, ele antecipou o recebimento de ICMS da Cemig relativos a novembro e dezembro, o que foi considerado uma pedalada. No ano passado, raspou o fundo de depósitos judiciais.

O professor do Ibmec diz que muitas dessas medidas afetaram politicamente outros Poderes, que começaram a agir de forma mais punitiva. “Não vejo uma ilegalidade forte nessas medidas, existem permissões. Mas quando são feitas num momento tão crítico, de desespero, abre-se brecha para discutir”, diz Borges.

Para os especialistas, são medidas paliativas que já foram feitas por outros governos. “É fugir do problema maior e evitar o desgaste político de fazer reforma da Previdência”, diz Ferreira.

Na tentativa de ganhar apoio dos servidores num esforço eleitoral de última hora, Pimentel chegou a adiantar parcelas dos salários de agosto e setembro.

No mês retrasado, criou duas comissões com sindicatos para que acompanhem e opinem sobre o parcelamento e o déficit da Previdência. 

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