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Contrato revela faceta inédita da atuação empresarial de João Doria

Tucano, que se notabilizou como comunicador e relações públicas, intermediou venda de grandes empresas

João Doria (PSDB) durante debate entre candidatos ao governo de São Paulo
João Doria (PSDB) durante debate entre candidatos ao governo de São Paulo - Bruno Santos - 29.set.2018/Folhapress
Daniela Lima Joana Cunha
São Paulo

O candidato do PSDB ao governo de São Paulo, João Doria, ascendeu na política calçado na fama de empresário exitoso, dono de um conglomerado de comunicação e relações públicas. A carreira bem sucedida está espelhada nas cifras que amealhou —seu patrimônio declarado neste ano é de R$ 189 milhões. 

Ele, porém, manteve longe dos holofotes um ramo de atuação no qual as cifras são ainda mais volumosas: o de "aproximador", uma espécie de intermediário em negociações de fusões e aquisições de grandes companhias. 

Só um dos casos no qual ele foi chamado a atuar poderia ter lhe rendido R$ 100 milhões —um incremento de mais 50% na fortuna que já ostenta hoje.

A Folha teve acesso a documento, firmado em março de 2011, que registra a contratação de Doria e de outro empresário, Sergio De Nadai, como intermediários de negociação bilionária. A participação dele nesse tipo de operação era, até então, desconhecida.

O tucano, que à época só atuava na iniciativa privada, foi contratado pela fabricante de produtos lácteos Italac, para vendê-la à Nestlé --líder do setor no país. 

A Italac mirava fechar o negócio em R$ 1,3 bilhão. Se conseguissem convencer a Nestlé a pagar mais de R$ 1,15 bilhão pela Italac, Doria e De Nadai dividiriam R$ 200 milhões em comissão —R$ 100 milhões para cada um. Mas a transação não foi fechada. 

Segundo pessoas que conhecem o caso, o comando da Nestlé na Suíça barrou.

Procurado para comentar, Doria confirmou que atuou a pedido da Italac e revelou que, "pontualmente", prestou o mesmo tipo de assessoria a outras grandes empresas.

"Essa não era a finalidade primordial do meu grupo, mas pontualmente aproximávamos interessados em comprar e em vender outras companhias", disse.

O documento registra a contratação de Doria como pessoa física. Ele explica que, neste caso, foi uma exigência do contratante. O trato firmado tem uma cláusula de confidencialidade, comum a esse tipo de operação. Ainda assim, Doria explicou o contexto:

"Neste caso, a Italac demonstrou interesse em ser adquirida pela Nestlé, que já tinha comprado a Garoto, e viu com bons olhos a possibilidade de comprar também o parque industrial da Italac, que era no Centro-Oeste." 

A Nestlé chegou a fazer estudos detalhados, o chamado due diligence no jargão empresarial. 

Ivan Zurita, o homem que chefiou a Nestlé no Brasil por 11 anos, estava à frente nesse período. Procurado, disse não se lembrar da negociação. O tucano, porém, confirmou que ele acompanhou as tratativas. 

O ex-prefeito de São Paulo sempre teve boa relação com Zurita. Enquanto chefiou a multinacional no Brasil, ele foi capa de revistas publicadas pela Doria Editora e premiado em eventos do Lide. 

De Nadai, o parceiro no contrato com a Italac, é presidente do Lide Solidariedade, braço do conglomerado de Doria que articula eventos como o "Natal do Bem" —a Nestlé patrocinou a edição de 2010. 

Uma das empresas de De Nadai foi denunciada em 2010 sob acusação de fraude no fornecimento de merendas para várias prefeituras do estado. O caso até hoje não foi julgado.

Pessoas próximas afirmam que Doria e De Nadai só atuaram juntos como intermediários de uma aquisição neste contrato, o da Italac.

Operações de compra e venda de empresas costumam ocorrer por meio de procurações emitidas pelas partes a especialistas, explica André Camargo, professor do Insper.

Instituições financeiras auxiliam na definição de preço e forma de pagamento. Nos grandes negócios, é comum que cada parte contrate bancos e escritórios de advocacia para auditar a empresa vendida e conhecer passivos.

Nesse processo, pode haver a figura do aproximador, conhecido no meio como "finder", que recebe procuração para encontrar um alvo. Esse pode ter sido o papel de Doria. 

É praxe remunerar quem assessora operações de compra e venda com comissões que variam de 1% a 5% do valor do negócio, segundo assessores financeiros. 

"Quanto maior o negócio, menor a porcentagem da comissão", afirma Douglas Carvalho Júnior, sócio da Target Advisor, boutique de fusões e aquisições. O valor acertado com Doria e De Nadai estaria, portanto, acima do padrão.

 

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