Descrição de chapéu Eleições 2018

Esse jornal se acabou, diz Bolsonaro ao Jornal Nacional sobre a Folha

Eleito erra em versão sobre funcionária e esquema no WhatsApp, casos revelados pelo jornal

São Paulo

Durante entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta segunda-feira (29), Jair Bolsonaro (PSL) voltou a atacar a Folha e afirmou que “por si só, esse jornal se acabou”.

As afirmações de Bolsonaro se deram em resposta a uma pergunta do jornalista William Bonner, apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional.

Bonner questionou: “O senhor sempre se declara um defensor da liberdade de imprensa, mas, em determinados momentos, chegou a desejar que um jornal deixasse de existir. Como presidente eleito, o senhor vai continuar defendendo a liberdade da imprensa e a liberdade do cidadão de escolher o que ele quiser ler, o que ele quiser ver e ouvir?"

Fachada da loja de açaí de Walderice Santos da Conceição, 49, em Mambucaba, Rio de Janeiro
Fachada da loja de açaí de Walderice Santos da Conceição, 49, em Mambucaba, Rio de Janeiro - Lucas Landau - 2.mai.2018/Folhapress

“[Sou] totalmente favorável à liberdade de imprensa”, respondeu Bolsonaro. Contudo, disse que há a a questão da propaganda oficial de governo, "que é outra coisa".

Em seguida, o presidente eleito citou o caso de Walderice dos Santos da Conceição, a Wal, ex-assessora dele na Câmara dos Deputados que vendia açaí e prestava serviços particulares ao deputado federal em Angra dos Reis (RJ), onde ele tem casa de veraneio.

“Aproveito o momento para que nós realmente venhamos fazer justiça aqui no Brasil. Tem uma senhora de nome Walderice, minha funcionária, que trabalhava na Vila Histórica de Mambucaba e tinha uma lojinha de açaí. O jornal Folha de S. Paulo foi lá, nesse dia, 10 de janeiro, e fez uma matéria e a rotulou de forma injusta como “fantasma”. É uma senhora, mulher, negra e pobre. Só que nesse dia 10 de janeiro, segundo boletim “A iniciativa da Câmara”, de 19 de dezembro, ela estava de férias. Então, ações como essa por parte de uma imprensa, que mesmo a gente mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, logicamente que eu não posso considerar essa imprensa digna". 

Bolsonaro prosseguiu: “Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal se acabou”.

Em janeiro deste ano, a Folha revelou que Bolsonaro usava verba da Câmara para pagar Walderice. Ela figurava desde 2003 como funcionária do gabinete do deputado federal, recebendo salário de R$ 1,3 mil ao mês, mas vendia açaí em uma barraca vizinha à casa de veraneio dele em Mambucaba (RJ).

Walderice pediu demissão do gabinete de Bolsonaro após as reportagens da Folha.

Na sequência da entrevista à Globo, Bolsonaro fez nova acusação contra o jornal. “Inclusive a última matéria, onde eu teria contratado empresas fora do Brasil, via empresários aqui para espalhar mentiras sobre o PT. Uma grande mentira, mais um fake news do jornal Folha de S. Paulo, lamentavelmente", afirmou.

O presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, durante entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo
O presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, durante entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo - Reprodução/TV Globo

O presidente eleito disse que a reportagem da Folha o acusa de ter contratado empresas no exterior, por meio de empresários, para enviar mensagens anti-PT por aplicativo.

Na verdade, a reportagem publicada no dia 18 de outubro afirma que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT.

O pagamento por empresas de ações que beneficiem a campanha de um candidato é proibido pela lei eleitoral.

Após as afirmações de Bolsonaro, Bonner pediu a palavra e fez um comentário.

"Como editor-chefe do Jornal Nacional, eu tenho um testemunho a fazer. Às vezes, eu mesmo achei que críticas que o jornal Folha de S.Paulo tenha feito ao Jornal Nacional me pareceram injustas. Isso aconteceu algumas vezes. Mas para ser justo do lado de cá, eu preciso dizer que o jornal sempre nos abriu a possibilidade de apresentar a nossa discordância, apresentar os nossos argumentos, aquilo que nós entendíamos ser a verdade."

O jornalista prosseguiu: "A Folha é um jornal sério, um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira. É um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo da imprensa profissional brasileira".

Bolsonaro apenas ouviu e não respondeu nada.

Diferentemente do que Bolsonaro afirmou na entrevista, a Folha não mentiu sobre a funcionária fantasma de seu gabinete. Desde a primeira reportagem, o agora presidente eleito vem dando diferentes e conflitantes versões sobre a assessora para tentar negar —todas elas não são condizentes com a realidade.

Ao Jornal Nacional, Bolsonaro disse que a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro.

A Folha esteve na Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunidades. A primeira, em janeiro, durante o recesso parlamentar, quando ouviu de moradores que Walderice não tinha ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamentar e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu. Segundo depoimentos colhidos da região, o marido dela, Edenilson, era caseiro de Bolsonaro.

Neste dia, a Folha se encontrou com Bolsonaro, por acaso, no local. Ele deu diversas explicações sobre Walderice, mas em nenhum momento disse que ela estava de férias —como falou meses depois.

Na segunda oportunidade, em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara. À reportagem, ela afirmou trabalhar no local todas as tardes.

Minutos depois de a reportagem se identificar e deixar a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que ia se demitir do cargo.

A secretária figurou desde 2003 como um dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília. Seu último salário, foi, bruto R$ 1.416,33.

As acusações de Bolsonaro à Folha no JN intensificaram um movimento espontâneo nas redes sociais para que as pessoas assinem o jornal.

"Amanhã mesmo vou assinar a Folha. Façam isso. Alguém tem que continuar fazendo jornalismo de verdade neste país", escreveu Priscas [nome do perfil] no Twitter. Outros sugeriam uma campanha para assinar o jornal. "Eu acho que temos que fazer uma campanha para quem puder assinar a Folha", foi a mensagem de @perdyhoward.

Esse movimento está acontecendo desde o dia 18, quando o jornal publicou reportagem mostrando que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT.

Também se manifestou em defesa do jornal o presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin.

"Começou mal. A defesa da liberdade ficou no discurso de ontem", escreveu no Twitter.

"Os ataques feitos hoje pelo futuro presidente à Folha de S.Paulo representam um acinte a toda a imprensa e a ameaça de cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional", disse o ex-governador de São Paulo.

 

Leia transcrição do trecho da entrevista de Bolsonaro ao JN

William Bonner: Presidente, o senhor sempre se declara, enfaticamente, aliás, um defensor da liberdade de imprensa. Mas, em alguns momentos da campanha, o senhor chegou a desejar que um jornal deixasse de existir. É indiscutível que a imprensa não é imune a erros e nem a críticas. E isso vale para qualquer órgão da imprensa profissional. Mas também é fato que a imprensa livre é um pilar da democracia. Como presidente eleito, o senhor vai continuar defendendo a liberdade da imprensa e a liberdade do cidadão de escolher o que ele quiser ler, o que ele quiser ver e ouvir?

Jair Bolsonaro: Totalmente favorável a liberdade de imprensa. Temos a questão da propaganda oficial do governo que é uma outra coisa, mas aproveito o momento para que nós realmente venhamos fazer justiça aqui no Brasil. Tem uma senhora de nome Walderice, minha funcionária, que trabalhava na Vila Histórica de Mambucaba e tinha uma lojinha de açaí. O jornal Folha de S. Paulo foi lá, nesse dia, 10 de janeiro, e fez uma matéria e a rotulou de forma injusta como ‘fantasma’. É uma senhora, mulher, negra e pobre. Só que nesse dia 10 de janeiro, segundo boletim ‘A iniciativa da Câmara’, de 19 de dezembro, ela estava de férias. Então, ações como essa por parte de uma imprensa, que mesmo te mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, logicamente que eu não posso considerar essa imprensa digna. Não quero que ela acabe, mas no que depender de mim, na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal”.


Bonner: Então o senhor não quer que esse jornal acabe? O senhor está deixando isso claro agora?Bolsonaro: Por si só esse jornal se acabou. Não tem prestígio mais nenhum. Quase todas as fake news que se voltaram contra mim partiram da Folha de S. Paulo. Inclusive a última matéria, onde eu teria contratado empresas fora do Brasil, via empresários aqui para espalhar mentiras sobre o PT. Uma grande mentira, mais um fake news do jornal Folha de S. Paulo, lamentavelmente.

William Bonner: Presidente, me permita, como editor-chefe do Jornal Nacional, eu tenho um testemunho a fazer. Às vezes, eu mesmo achei que críticas que o jornal Folha de S. Paulo tenha feito ao Jornal Nacional me pareceram injustas. Isso aconteceu algumas vezes. Mas para ser justo, do lado de cá, eu preciso dizer que o jornal sempre nos abriu a possibilidade de apresentar a nossa discordância, de apresentar os nossos argumentos, aquilo que nós entendíamos ser a verdade. A Folha é um jornal sério, é um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira, é um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo, da imprensa profissional brasileira. Mas a gente pode seguir adiante com a próxima pergunta da Renata, por favor.

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