Dezenas de grupos no aplicativo de telefone celular WhatsApp, aos quais a Folha teve acesso, simulam uma organização militar, com patentes e brigadas, se identificam como um “Exército virtual” e disseminam mensagens de apoio ao candidato Jair Bolsonaro (PSL).
Os grupos são divididos em “brigadas”, “comandos” e “batalhões” que recebem dezenas de jovens, alguns abaixo dos 18 anos de idade, conforme a reportagem apurou, identificados como “recrutas”. Um dos grupos tem mais de 200 participantes.
No último dia 23, o “tenente” Gustavo, de Minas Gerais, comemorou: “O recrutamento a comando do tenente coronel Danilo está progredindo intensamente. Com apenas um dia de recrutamento ativo foram integrados 12 novos recrutas à brigada. Todos os instrutores estão se empenhando para a melhora da 2ª Bis Alfa em questão de contingente”.
Gustavo, que não atendeu às ligações da reportagem, explicou em seguida no grupo, denominado “Recrutamento”: “Somos uma brigada virtual que simula a realidade. Se deseja participar ou tirar algumas dúvidas específicas venha ao meu privado”.
O “tenente” explicou que, depois que os jovens se tornam recrutas, “irão fazer diversas atividades, missões e até cursos dentro da brigada”. No mesmo dia, a “general-de-brigada” Rayssa compartilhou uma lista de 27 “grupos pró-Bolsonaro” em atividade no WhatsApp. "Para ajudar vocês. Grupos pró-Bolsonaro. Muito bom eles. Recomendo”, escreveu aos membros do grupo.
Em outro grupo, batizado de “2º Batalhão de Infantaria de Selva”, o “tenente coronel” Silva comemorou: “Quero que recebam os novos recrutas da nossa brigada. Nossa família está crescendo”.
Um homem, que disse ser “agente especial da Polícia Federal” e portar legalmente uma pistola calibre 9 milímetros, informou aos demais integrantes que tinha 564 mensagens não lidas e desabafou: “Não é fácil ser ministro e comandante geral do maior complexo de brigadas virtuais do Brasil”.
A Folha localizou por telefone um “general-de-brigada” de um dos grupos, o estudante Hiago, de 20 anos, em Minas Gerais. Ele disse que há pessoas “de todas as partes do Brasil, do Amazonas, Roraima, São Paulo, Paraná”. “A gente é uma simulação de uma brigada real. E no caso possuem patentes, atividades, tudo isso. Aí você faz um treinamento. [...] Normalmente o objetivo é mais para você ter uma noção de como é, basicamente, uma vida militar”, disse Hiago.
Indagado sobre a propaganda em favor de Bolsonaro, Hiago disse que os grupos “apoiam sim” o candidato, mas negou que produzam material de propaganda, fake news ou memes. “[É compartilhado o material] que corre mesmo na rede”, disse Hiago. O “general” disse que atua nos grupos há cerca de dois anos e meio, mas não tem ideia de como eles nasceram. Segundo ele, a maioria dos integrantes dos grupos "quer seguir carreira militar e quer saber como isso funciona".
As patentes militares são várias, como “generais”, “coronéis”, “tenentes” e “soldados”. Há uma maior, chamada de “ministro”. Para subir na “carreira”, segundo Hiago, são necessários “destaque no grupo e prestação de serviços”, como “comando de departamentos e recrutamentos”.
A reportagem apurou que alguns dos grupos incluem militares e policiais da ativa. Um dos membros, a recruta Marina, disse ser soldado da Polícia Militar da Bahia e respondeu na última quarta-feira (24) a um convite para integrar um dos grupos. Ela disse à Folha que ainda aguardava instruções para saber como se comportar no grupo. “Eles falam sobre as reportagens do que acontece no Brasil. Falam muito sobre isso, da República”, disse a soldado.
Sobre o apoio a Bolsonaro, a soldado concordou. “Eles falam bem do Bolsonaro, falam muito bem do Bolsonaro. Nesses grupos a gente fala muito bem dele e do Exército Brasileiro, coisa boa”, disse Marina. Ela afirmou que votará no capitão da reserva no próximo domingo.
Administradores de alguns dos grupos estimulam a criação de vários outros grupos, formando uma extensa rede no Whatsapp. No grupo “Comandantes Alfa”, o usuário Brito orientou: “Os comandantes de departamento podem criar espécies de secretarias. Tipo, PE [Polícia do Exército] pode ter uma secretaria específica anti-deserção. Instrução pode ter uma secretaria específica para a instrução de cursos de formação. Essas secretarias seriam comandadas por um oficial que vocês achassem melhor”.
Nesta sexta-feira (26), depois que a Folha havia dado telefonemas a alguns dos membros do grupo, a “general” Rayssa postou no seu grupo: “Somos uma Brigada Virtual, fazemos apenas uma simulação, não temos nenhum vínculo com o Exército Brasileiro e tampouco cometemos o crime de falsa identidade ideológica, porque não assinamos nenhum documento falsificado”. Tanto Brito quanto Rayssa, procurados em seus telefones, não foram localizados pela reportagem.
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