Fernando Haddad (PT) estava diante da TV no décimo quinto andar do Hotel Pestana, em São Paulo, quando viu o nome de seu principal adversário, Jair Bolsonaro (PSL), aparecer ao lado de um número-chave: 47,6% dos votos válidos.
Com mais de 80% das urnas apuradas, Haddad ergueu os braços e abraçou a mulher, Ana Estela. Na sua conta, confirmada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), haveria segundo turno.
A passagem de Haddad para o confronto direto foi considerada "um milagre", por dirigentes da campanha, diante do sentimento antipetista que tomou o país.
A partir de agora, o ex-prefeito de São Paulo terá que modular seu discurso e superar obstáculos internos se quiser chegar à Presidência.
O primeiro movimento será nesta segunda (8), quando ele vai se reunir com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba há seis meses. Ali, segundo petistas, deve pleitear a condução da campanha para tentar minimizar a resistência a seu nome no eleitorado de centro-direita.
O aceno ao mercado financeiro, a líderes religiosos e a setores da imprensa também faz parte do pacote que Haddad quer encaminhar na segunda etapa de campanha.
O herdeiro quer carta branca para criar pontes com integrantes do PSDB como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Tasso Jereissati (CE).
O discurso de Haddad focará a criação de uma frente suprapartidária, que defenderá os valores da democracia. A tese é que Bolsonaro vai contra esses ideais e que será desconstruído por ele, inclusive, com a exposição de incoerências e inconsistências de suas propostas.
O candidato já esboçou essa ideia ao discursar entre militantes petistas, que gritavam o nome de Lula ao seu redor, na noite deste domingo. Haddad disse que já havia telefonado a Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (Psol).
"Estou esperançoso de que teremos um segundo turno muito mais civilizado do que o primeiro. Tenho o maior respeito pelos que concorreram, sobretudo aqueles com quem trabalhei. Com a Marina, com Ciro Gomes, com Meirelles, no governo Lula."
A principal barreira, e Haddad sabe, será o próprio PT.
Para isso, ele pretende incorporar ao comando de sua campanha petistas com bom trânsito no partido e em setores do mercado e da sociedade, como Jaques Wagner, eleito senador pela Bahia.
Uma das tentativas de modulação interna será convencer Lula a recuar de instalar uma Assembleia Constituinte, alegando que a bancada petista no Congresso encolheu e não terá força para avançar a proposta. Outro desafio é passar a imagem de que será um presidente autônomo, com responsabilidade fiscal e poder de negociação.
Durante todo o domingo (7), petistas oscilaram entre apreensão, euforia e desalento, como se não conseguissem captar por completo o cenário que se desenhava à frente deles. Haddad estava nervoso. Pela manhã, sabia que o cenário era complicado, mas ainda nutria esperança de passar para o segundo turno contra Bolsonaro.
A chegada ao segundo turno, porém, começou a ser tratada como "milagre" no fim da tarde, logo após a divulgação das primeiras pesquisas de boca de urna nos estados.
Dirigentes do PT estavam alarmados com a onda de apoio ao capitão reformado desde o fim de setembro, quando os levantamentos mostravam que o candidato do PSL havia conquistado parte do eleitorado cativo de Lula, como mulheres, pobres e nordestinos.
A cúpula passou a admitir erros e a modular o discurso e a agenda de Haddad. A avaliação, porém, é que a autocrítica foi feita com atraso.
O petista adotará um tom mais agressivo contra Bolsonaro, após auxiliares avaliarem que adiar os ataques permitiu que o capitão conquistasse eleitores naturais do PT. A personalidade de Haddad, conciliadora, é apontada por integrantes do PT como obstáculo para subir o tom.
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