Descrição de chapéu Eleições 2018

Hoje avesso a esquerdistas, Doria teve boas relações com PT sob Lula

Tucano tinha retrato com Lula e doou para petistas e PC do B; sua esposa já recorreu à Rouanet

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

João Doria (PSDB) não perde uma chance de tentar tirar seu adversário na corrida pelo governo de São Paulo de um suposto armário ideológico. “Márcio França [PSB] é socialista, é esquerdista, é PT e tenta esconder”, tuitou a dias do primeiro turno, oratória que o hoje escudeiro do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) ressuscita sempre que pode em sua campanha. 

Suas relações com quadros da esquerda já foram bem mais amigáveis. Antes do Doria político veio o Doria empresário, e esse não tinha problema em conviver com aqueles que agora chama de inimigos: petistas e comunistas. 

Uma foto com o ex-presidente Lula, por ele chamado de “ladrão” para baixo, enfeitava seu escritório na avenida Faria Lima, bunker da elite empresarial em São Paulo. Também já posou ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff.

Lula e Marisa com Bia, mulher de João Doria, à época presidente do conselho da Casa Cor
Lula e Marisa com Bia, mulher de João Doria, à época presidente do conselho da Casa Cor - Celina Germer/Divulgação

Sua mulher, a artista plástica Bia Doria, que em 2016 contou à Folha ter ficado “muito triste quando o Lula se elegeu, até chorei no dia em que ele tomou posse”, se deixou fotografar sorridente ao lado do petista e a esposa, Marisa Letícia (1950-2017), cinco anos antes.

Estavam no Casa Cor, evento de arquitetura no Jockey Clube sob comando do marido. Entre as atrações, uma “suíte presidencial” inspirada no ex-presidente, com camisa e bola de seu time, Corinthians.

A assessoria do candidato diz que, “como dono da Casa Cor”, ele “educadamente recebeu [Lula e Marisa] na ocasião, juntamente com outras pessoas”. Filiado ao PSDB desde 2001, não explicou por que decidiu adornar sua sala com um retrato ao lado do petista. 

Em 2010, último ano do governo Lula, a empresa Doria Associados Consultoria e Comunicação Ltda. emprestou R$ 44 milhões do BNDES, segundo o Portal da Transparência do banco. 

Márcio França vem associando o dinheiro à compra de um jatinho, o que o oponente não confirmou.

Como pessoa física ou por meio de empresas suas, Doria já doou R$ 10 mil para as campanhas de 2006 de José Eduardo Cardozo (PT), ex-ministro da Justiça de Dilma, e de 2012 de Manuela D’Ávila (PC do B), vice de Fernando Haddad. 

Sua equipe frisa que ele  “doou também para partidos como DEM, PSDB, PP e PSD. Como se observa, nenhuma tendência ideológica. As doações são compatíveis com o comportamento de um líder empresarial, como era o caso”.

Cardozo chegou a ganhar uma máquina de café Nespresso, então novidade no mercado, num sorteio em um dos fóruns do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), sob guarda de Doria —outro também premiado num desses encontros, com um modelo Kia zero-quilômetro, foi Alberto Goldman, decano do tucanato que o novato disse viver “de pijamas em sua casa”, em 2017, num dos muitos entreveros que os dois tiveram.

“Eram eventos plurais. Doria sempre foi muito amável, não nos discriminava em função da posição ideológica”, diz Cardozo, que frequentou mais de um fórum do Lide. Em 2011, foi a convite desse grupo para um resort em Comandatuba (BA), e lá esbarrou com Haddad, ministro da Educação, e Hebe Camargo (1929-2012), que passou o dia distribuindo selinhos nos convidados. 

Já Manuela, no mesmo ano, elogiava aquele que, à época, apresentava o reality “O Aprendiz”. “Sou amiga do João há anos. Pessoa mais disciplinada do mundo. Sem comparações”, escreveu. “Eu o conheci num ambiente absolutamente plural e com muitas pessoas de esquerda”, ela diz à reportagem, sem dar detalhes. Tudo “antes do Doria ter atuação político-partidária”.

Amigos como o apresentador Otávio Mesquita elogiam “a cabeça muito boa no aspecto empresarial” que Doria, alguém perito em “networking”.

O clima com esquerdistas esfriou após Doria pilotar, em 2007, o Cansei, movimento que mirava do caos aéreo ao governo Lula e que o ex-governador Claudio Lembo chamou de “coisa de dondocas enfadadas”. 

Naquele ano, de quatro ministros lulistas anunciados como estrelas de um fórum do Lide, três deram bolo: Haddad (Educação), Paulo Bernardo (Planejamento) e Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais). 

As conexões com governistas foram se restabelecendo ao longo dos anos de PT no poder. 

Para Goldman, Doria emprestou dos tempos de homem de negócios uma faceta camaleônica. “Ele é pura e simplesmente um oportunista em busca de enriquecimento pessoal. Não tem nenhum tipo de escrúpulos em posição ideológica. Se conviesse se aliar mais à esquerda, faria.”

Os tucanos já foram próximos, e suas mulheres, Bia e Deuzeni, amigas. Quando os maridos começaram a se desentender, elas também se estranharam. Segundo reportagem da revista Piauí de 2016, Bia lamentou ter manipulado o resultado do sorteio do Kia para favorecer os Goldman.

Outro desafeto político, Major Olímpio, senador eleito e presidente do PSL-SP, diz que Doria “cita o pai deputado perseguido pela ditadura”  quando acha de bom tom fazer um aceno a setores progressistas.  

João Doria pai foi um publicitário de mão cheia, que em 1949 criou o Dia dos Namorados no Brasil para aumentar vendas do comércio.

Também foi deputado pelo Partido Democrata Cristão, e um que defendia Jango, o presidente que seria deposto, e bradava contra o imperialismo. Foi cassado em 1964, quando o filho de mesmo nome tinha seis anos.

Em 2014, Doria organizou um jantar para o então presidenciável Aécio Neves (PSDB). A noite de 31 de março marcava os 50 anos do golpe militar.

Enquanto a mesa degustava macaron de baba de moça com sorvete de coco e vinho Sancerre Comte Lafond Blanc 2010, Aécio citou o avô Tancredo Neves, líder do governo Jango na Câmara quando os militares tomaram o poder. “Ele gritava: ‘Canalhas!”

O tucano aposta suas fichas no BolsoDoria, cruzamento de votos nele e em Bolsonaro, entusiasta da ditadura. Parte do PSL se opõe à ideia.

A Lei Rouanet, equiparada a um palavrão em círculos direitistas, que a veem como uma “mamata” do Estado, já contemplou projetos ligados a Bia Doria.  

A Folha localizou ao menos quatro deles inscritos na lei entre 2014 e 2016. 

Segundo o site do Ministério da Cultura, três tiveram de fato captação de recursos, que patrocinadores podiam deduzir do Imposto de Renda: uma mostra em Miami a fim de “divulgar a arte sustentável brasileira” (R$ 400 mil), “um livro para registrar os 10 anos da carreira” de Bia (R$ 303 mil) e a exposição “Arte e Fé”, na Basílica di San Paolo Fuori Le Mura, em Roma (R$ 800 mil).

Em 2015, o casal Doria recepcionou autoridades públicas em Campos do Jordão (SP), com direito a spa e massagens na chegada.

A Folha revelou e-mails sobre o convescote enviados por funcionários do então pré-candidato a prefeito. A um convidado, o presidente da Apex (agência do governo federal de fomento à exportação), Doria já pedira um favor em nome de Bia. 

Ela havia solicitado, meses antes, que a Apex patrocinasse uma mostra sua no exterior que teria aval da Rouanet para captar até R$ 1,7 milhão —o mesmo valor autorizado para ela tentar levantar para sua exposição em Miami.

O marido estava copiado na mensagem e deu seu ok: “Nenhuma objeção. Pelo contrário”.

Irmão do tucano, Raul Doria  já procurou leis de incentivo fiscal para obras de sua produtora, a Cine Cinematográfica. Um projeto chegou a levantar recursos: R$ 397 mil. Era o filme “Ninguém Ama Ninguém Por Mais de Dois Anos”.

Colaborou Gabriela Sá Pessoa 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.