Descrição de chapéu Eleições 2018

Judeus progressistas repudiam acenos de Jair Bolsonaro a Israel

Apoio de empresários a candidato do PSL gera reação; setores se juntam ao #EleNão

Thais Bilenky
São Paulo

Os acenos de Jair Bolsonaro (PSL) a Israel atraíram parte do eleitorado judaico brasileiro, mas provocam reação contrária em setores progressistas da comunidade.

À medida que o capitão reformado conquistou apoios como o dos empresários Meyer Nigri e Fabio Wajngarten, movimentos contrários tomaram corpo. No último sábado (29), um grupo com mais de 50 judeus se juntou ao protesto no Largo da Batata, em São Paulo, com o mote #EleNão.

Portavam faixas com símbolos judaicos como a Estrela de David, lançavam dizeres alusivos ao ato e entoavam gritos de guerra como "Ô, Bolsonaro, vai se foder, eu sou judeu e não gosto de você".

A estudante Amanda Hatzyrah, 25, articuladora da frente feminista judaica, disse que estavam lá para marcar posição. "Existe uma pecha de que a comunidade judaica apoia Bolsonaro, mas isso é uma falácia completa. A gente veio para fazer barulho e mostrar que não", protestou. "Lutamos contra tudo o que ele representa."

Judeus protestam contra Bolsonaro no Largo da Batata, em São Paulo, no último sábado (29)
Judeus protestam contra Bolsonaro no Largo da Batata, em São Paulo, no último sábado (29) - Demian Golovaty -29.set.2018/Divulgação

Em fevereiro, a revista piauí registrou que Meyer Nigri disse que mais de 90% da comunidade era simpática a Bolsonaro. Depois o empresário foi a público negar a declaração, argumentando que a sua fala foi tirada de contexto.

Tesoureiro do PSL em São Paulo e próximo ao capitão reformado, o advogado Victor Metta afirmou que o apoio de judeus a Bolsonaro é maciço e, em alguns setores mais conservadores, "quase unânime".

Havia apoio a Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e João Amôedo (Novo), disse Metta, especialmente no establishment da comunidade. "Mas hoje, com o voto útil, todo mundo desistiu desses candidatos e ficou entre Jair Bolsonaro e o PT."

Por establishment, ele quer dizer as entidades que fazem interlocução com o poder público, como a Conib (Confederação Israelita do Brasil). "A perspectiva de ter Bolsonaro no poder os deixou desesperados. Nós representamos a renovação", afirmou Metta.

Segundo o advogado Fernando Lottenberg, presidente da Conib, o establishment dialoga com todos os setores e não está alinhado a um ou outro candidato.

Como contribuição ao debate, a entidade elaborou documento endereçado aos candidatos com suas pautas prioritárias como a ampliação das relações com Israel e o combate à proliferação do ódio.

A Conib estima que haja 120 mil judeus no Brasil, 0,06% da população brasileira. A diversidade no interior da comunidade, afirma a entidade, reflete diferentes pontos de vista da sociedade como um todo.

De um lado, um grupo organizou a visita de um rabino ao ex-presidente Lula (PT), na cadeia, em Curitiba. De outro lado, aliados judeus de Bolsonaro articularam sua internação no Hospital Israelita Albert Einstein, após a facada.

"Tem gente que vota no Bolsonaro, sim, mas não sei dizer se são majoritários ou se tem mais gente no meio do caminho", disse Lottenberg. "O tema de Israel e a mudança da embaixada [de Tel Aviv para Jerusalém] atraem mais gente nos grupos conservadores."

Em sua aproximação do eleitorado judaico, Bolsonaro também disse que a primeira viagem que fará após a eleição será a Israel e elogiou em diversas oportunidades o desenvolvimento tecnológico do país.

"Pouquíssima gente cai nessa armadilha", reagiu o curador Benjamin Seroussi, 38. "Tomo muito cuidado para não ser pautado pelas frases de efeito que Bolsonaro solta, no fundo, para a gente ter que reagir. É vazio de conteúdo. Não se trata de uma defesa clara do processo de paz ou da existência do Estado, mas de uma forma de atingir parcelas conservadoras por meio de falas que parecem defender a repressão que ele apoia."

Diretor da Casa do Povo, espaço cultural histórico da comunidade no Bom Retiro, em São Paulo, Seroussi concorda que a diversidade de voto entre judeus é semelhante à nacional, com cerca de 30% de eleitores do capitão reformado.

"Mas choca constatar como o povo judeu, que passou por tanto sofrimento, pode em parte também lutar por alguém que está fora do jogo democrático", disse.

O pedagogo Gabriel Douek, 28, enxerga uma disputa de narrativas. "Um dos grupos consegue levar a melhor. Por ser da elite empresarial, tem mais visibilidade."

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