Não é verdade que Amelinha Teles matou militares na ditadura

Ao contrário do que diz notícia falsa, vítima de tortura nunca foi acusada de tal crime

São Paulo

Não é verdade que Maria Amélia de Almeida Teles, conhecida por Amelinha Teles, foi condenada por matar militares, como diz notícia falsa divulgada na internet.

Uma imagem circula nas redes sociais Facebook e no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp com a imagem de uma senhora com a seguinte frase: "Essa senhora aparece na propaganda do Haddad chorando. Amelinha Teles, junto com seu marido, matou e esquartejou militares em nome da ditadura do proletariado".

Amelinha e o marido, Cezar Augusto Teles, que foram vítimas de tortura, não cometeram esse crime e nunca foram acusados, tampouco julgados, por ele.

Amelinha Teles e Rosa Cardoso durante audiência da Comissão Nacional da Verdade e Comissão Rubens Paiva na Assembleia Legislativa de São Paulo - Fabio Braga - 27.mai.2013/Folhapress

Amelinha Teles ficou em evidência nas redes após aparecer em um programa eleitoral do candidato à Presidência do PT, Fernando Haddad, no dia 16 de outubro. Ela deu um depoimento contando como ela e seu marido Cezar Augusto Teles foram presos em dezembro de 1972, torturados e humilhados pelos militares na frente dos filhos após uma violenta sessão de tortura. O TSE determinou a suspensão da propaganda.

O casal foi preso junto a outros militantes do PC do B. A acusação, na época, era de "agrupamento prejudicial à segurança nacional", e estava relacionada ao que foi classificado como "propaganda escrita" do partido —a edição de jornais, panfletos e artigos com conteúdo supostamente subversivo. O processo é de março de 1973. Ela foi condenada a 7 meses de reclusão.

No trecho em que o documento detalha a atuação de Amelinha no grupo não há qualquer menção ao crime de homicídio. O processo diz que Amelinha e o marido eram responsáveis pelo setor de imprensa do partido, e que a residência do casal havia se tornado um "aparelho" da legenda.

"Mantinha estreitos ligamentos com membros da organização e quando da doença de seu espôso mudou-se para outro 'aparelho', com recursos fornecidos pelo Partido, onde mimeografou exemplares do jornal 'CLASSE OPERÁRIA', auxiliada por Carlos Nicolau Danielli, vulgo 'Antonio'. Os documentos apreendidos em seu poder são altamente subversivos e bastariam para uma condenação", detalha o texto do processo consultado pelo projeto Comprova.

Amelinha e o marido foram torturados no Doi-Codi/SP. O comandante da unidade era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que participou das sessões de tortura do casal. Ele foi declarado torturador pela Justiça brasileira em 2008.

O coronel Ustra é frequentemente associado ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro. O presidenciável declarou, em sabatina no programa Roda Viva em julho, que seu livro de cabeceira é "A Verdade Sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça", de Ustra.

Ele também dedicou à memória de Ustra o voto "sim" pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), acrescentando que ele era o “pavor” da então presidente. Dilma também foi torturada por Ustra durante a ditadura.

Tanto no vídeo da campanha do PT quanto em outros depoimentos, como os prestados à Comissão da Verdade e à novela "Amor e Revolução", Amelinha descreve o tipo de tortura a que o casal foi submetido: cadeira do dragão, choques, espancamento e violência psicológica, com ameaças aos filhos.

As crianças —Janaína e Edson, na época com 5 e 4 anos, respectivamente— foram levados para verem os pais torturados. Janaína também participou do vídeo da campanha de Haddad, relatando que lembrava de ter sido forçada a ver os pais naquela situação.

Carlos Danielli, que foi preso junto com o casal, morreu numa sessão de tortura. A versão apresentada pelo Doi-Codi/SP era de que ele havia sido morto em tiroteio com policiais após tentativa de fuga. A história foi esclarecida pela Comissão da Verdade.

Após a veiculação do vídeo e da circulação do boato sobre Amelinha, ela passou a sofrer ameaças pelas redes sociais. Amigos gravaram um vídeo em apoio.

A montagem foi enviada para o WhatsApp do Comprova como sugestão de verificação.

Participaram também da apuração deste texto os veículos Jornal do Commercio e Gazeta do Povo, que integram o Comprova, projeto que visa identificar, checar e combater rumores, manipulações e notícias falsas sobre as eleições de 2018. É possível sugerir checagens pelo WhatsApp da iniciativa, no número (11) 97795-0022.      

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