Descrição de chapéu

Reduzir o outro a fascista ou otário fragiliza democracia

Com mais rejeitados no 2º turno, acirramento de posições pode dificultar crítica e diálogo essenciais a futuro político

Luciana Coelho
São Paulo

Um alienígena nas rodas de conversa e nas redes sociais no Brasil seria levado a acreditar que metade da população é fascista e/ou que pouco mais de um terço é ingênuo, histérico ou desonesto.

A polarização da eleição presidencial deste ano, enfatizada pelo fato de disputarem o segundo turno os dois candidatos com maior índice de rejeição, levou parte substancial do eleitorado a se aferrar à sua versão de mal menor e desqualificar o argumento alheio.

Obviamente, é simplório crer (e bradar) que para votar em Jair Bolsonaro (PSL) é preciso ser conivente com o fascismo ou ser ignorante.

Para os que veem no capitão uma ameaça à democracia —e há frases radicais suficientes em seu discurso para sustentar tal temor— é preciso lembrar que anos de corrupção praticada sobretudo pelo PT, embora não só por ele, ajudaram a erodir a política. 

Um bolsonarista pode, sem contorção intelectual, alegar que o PT ameaça a democracia ao corroer o sistema por dentro. E que é afrontosa a hipótese de, sob Fernando Haddad, reverter-se a condenação do ex-presidente Lula (o que Haddad promete não fazer).

Contudo, crer ingênuos ou desonestos aqueles que se opõem ao ideário de Bolsonaro —ou supô-los idiotas úteis na mão de um partido— pode ser igualmente daninho.

Se não há, na plataforma do candidato do PSL, nada a ser descrito como fascista, seu discurso já lançou mão de ideias da extrema direita mais de uma vez, como ao dizer que minorias devem se curvar à maioria e sugerir o fim do ativismo (no caso, ambiental). 

Suas variadas declarações a respeito de mulheres, minorias e tortura, assim como sua insistência em misturar religião a questões de Estado, tampouco são tranquilizadoras. 

Recusá-lo e propor slogans como “ele não” é tão justificável quanto apoiá-lo. A democracia que valida a candidatura do deputado, afinal, legitima manifestações contra ele. 

Ambos os lados usam termos que a história não banaliza (comunismo, fascismo) imbuídos de um perigoso senso de retidão moral. Ante a crítica do lado oposto, reforçam a fidelidade às ideias de seu candidato ou partido como se não houvesse reparos a fazer no que cada um propõe.

Será difícil, porém, achar entre os 147 milhões de eleitores brasileiros quem subscreva 100% das ideias de um dos candidatos. Muitos depositaremos no menor dos males um voto de confiança. 

Ainda assim, em 28 de outubro, um deles sairá vitorioso das urnas —a julgar pelas pesquisas, Bolsonaro.

Será preciso nos mantermos atentos à democracia e zelarmos por um sistema que, ainda imperfeito, é o único aceitável. Será preciso fazer oposição a ideias estapafúrdias. Será preciso ponderar e ouvir.

Cada um deve ser capaz de avaliar que riscos trazem maiores consequências agora e nos próximos anos. Precisaremos aprender a criticar e a nos autocriticar —algo exógeno à personalidade brasileira, que prefere rodeios condescendentes ou tons agressivos. 

Em vez de adotarmos esse processo saudável e urgente sem hesitarmos, preferimos alienar o interlocutor. Reduzir o outro a algo que valha menos, que seja intelectual ou moralmente inferior, é o primeiro golpe na democracia.

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