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Eleições 2018

Retórica de candidato do PSL ajuda entender apelo a eleitores

Linguagem de Bolsonaro ganha em voltagem emocional; rival petista soa professoral

Sérgio Rodrigues
São Paulo

A palavra "Brasil" é, com muitos corpos de vantagem, a que mais sai da boca do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que neste domingo (28) disputa como favorito o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Haddad (PT).

Pode-se imaginar que a predominância do nome do país seja natural no discurso de políticos, e em especial no de candidatos à Presidência da República. 

Não é bem assim. "Brasil" é apenas a quinta palavra mais pronunciada por Haddad, atrás de "governo", "Estado", "agenda" e "direitos". E quase empata com "crise".

O olhar quantitativo sobre as escolhas vocabulares dos dois candidatos aponta para a confirmação de algo que as pesquisas de intenção de voto também espelham: Bolsonaro é mais eficiente em fazer sua mensagem chegar a setores amplos do eleitorado.

Como a do presidente americano Donald Trump, que foi acusado pelo escritor Philip Roth de falar "paspalhês" ("Jerkish") e ter um "vocabulário de 77 palavras", a linguagem do candidato do PSL é direta e simples, de vocabulário pobre e estrutura sintática básica.

O modelo lembra o da oratória populista que o semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980) analisou no discurso do pregador americano Billy Graham (1918-2018): o de "uma infinidade de afirmações descontínuas lançadas ininterruptamente, sem espécie alguma de relação entre elas, cujo conteúdo é apenas tautológico (Deus é Deus)".

No entanto, parece inegável que tudo o que perde em abrangência temática e fineza de raciocínio, a linguagem de Bolsonaro (como ocorria com a de Graham, aliás) ganha em voltagem emocional. Depois do bordão "Brasil", o substantivo mais usado por ele é "povo". 

Embora sugestiva, esta contagem não tem valor científico. Foi feita a partir de blocos de discurso direto dos dois candidatos colhidos na imprensa de modo aleatório. Além de declarações feitas nesta campanha, entraram trechos de discursos e entrevistas dadas nos últimos anos. 

Foram analisadas cerca de 2.500 palavras de cada um, algo entre sete e oito páginas de texto corrido. O plano original era buscar apenas substantivos, palavras que têm carga semântica menos genérica do que pronomes, conjunções e verbos auxiliares. 

A predominância do nome do país no discurso de Bolsonaro é impressionante: responde por quase 1% de todas as palavras do conjunto analisado, aparecendo 21 vezes (24 vezes se incluirmos o adjetivo "brasileiro"). "Povo" tem 11 ocorrências. São palavras sonoras e quentes, de forte apelo patriótico. 

Em compensação, uma palavra de maior frieza administrativa como "governo", a campeã de Haddad, sai raras vezes da boca do capitão reformado: três ocorrências. "Estado", nenhuma vez. A recíproca também vale: a palavra-fetiche de Bolsonaro, "Brasil", surge apenas oito vezes no discurso do petista. "Povo" não traz mais do que cinco resultados.

A regra dos substantivos funcionou bem com Haddad. Seu repertório vocabular é amplo a ponto de incorrer na acusação de ser professoral. 

Se "governo" (16 ocorrências) e "Estado" (15) são palavras que qualquer um esperaria encontrar no discurso de quem lida com políticas públicas, o terceiro vocábulo que ele mais usa, "agenda" (11 vezes, contra nenhuma na fala do adversário), é jargão de esquerda. Para o eleitor comum, agenda é a telefônica.

Com Bolsonaro, aplicar a regra dos substantivos apresentou dificuldades. 

Falsearia seu discurso omitir que a segunda palavra mais empregada por ele, acima até de "povo", é um pronome indefinido que substitui substantivos aos montes: "tudo" (12 ocorrências, o dobro do que se vê na fala de Haddad). O que o discurso do candidato do PSL ganha em apelo emocional, perde em rigor e consistência intelectual.

De falta de coerência, porém, Bolsonaro não pode ser acusado. Seu já histórico discurso do último domingo, endereçado aos manifestantes que se aglomeravam na avenida Paulista, também tem "Brasil" na liderança isolada, com 15 ocorrências. "Povo" e "pátria", seus outros bordões, são outros termos que apareceram com destaque semelhante ao de sempre.

A análise quantitativa não explica tudo, é claro. Aquele discurso ficará mais marcado por palavras como "faxina" e "limpeza". 

Elas surgiram apenas uma vez cada uma, mas deram o tom de radicalização e ameaça ("marginais vermelhos", "ou vão pra fora ou vão pra cadeia") que surpreendeu quem apostava numa moderação de Bolsonaro às vésperas da provável vitória. 

Sérgio Rodrigues é escritor, jornalista e autor de "O Drible" e "Viva a Língua Brasileira"

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