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Eleições 2018

Se o 29 de setembro foi um dia histórico, a TV perdeu o bonde

Principais emissoras ignoraram o evento em sua grade de programação

Mauricio Stycer
São Paulo

Por volta das 17h45 do último sábado (29), no auge de um movimento organizado por mulheres contra Jair Bolsonaro (PSL) que levou milhares de pessoas às ruas em cinco dezenas de cidades do país, a TV aberta brasileira vivia uma tarde normal, como outra qualquer.

Luciano Huck pontificava na Globo com o seu “Caldeirão”, Raul Gil dominava a cena no SBT e os dois jornalísticos no ar, “Cidade Alerta”, na Record, e “Brasil Urgente”, na Band, tratavam de crimes e casos variados de violência. Neste último, o apresentador José Luiz Datena ainda encontrou tempo para reprisar trechos da entrevista com Bolsonaro, exibida na véspera.

Pessoas realizam ato público contra o presidenciavel líder nas pesquisas Jair Bolsonaro no sábado (29) em São Paulo (SP) - Nelson Antoine - 29.set.2018/Folhapress

Na TV paga, os canais dedicados a jornalismo 24 horas pareciam igualmente despreocupados. O principal deles, a GloboNews, exibia a reprise de um programa de entrevistas.

No seu Boletim das 18h, o canal de notícias da Globo tratou inicialmente, e com longa duração, do terremoto seguido de tsunami na Indonésia. Ao chegar às manifestações, finalmente, enfatizou que a tarde havia sido de protestos “contra e a favor” de Bolsonaro em todo o país. Ao final do boletim, voltou ao tema, mas desta vez para falar apenas dos atos promovidos com a tag “Ele não”.

À noite, na Globo, o “Jornal Nacional” resumiu os protestos em um vídeo de 4:30 minutos, repleto de imagens e sons dos eventos, mas sem a entrada de qualquer repórter ou a exibição de alguma entrevista. Uma cobertura que exigiu mobilização de esforços, mas fria e protocolar.

Os noticiários da Globo enfatizaram um dos aspectos originais das manifestações, o fato de terem sido convocadas por indivíduos, via redes sociais, mas não deram voz às organizadoras nem aos participantes.

De um modo geral, as emissoras de TV aberta trataram do assunto não com frieza e objetividade, como se espera do jornalismo, mas com medo.

Suspeito que a cobertura constrangida se explique pelo calendário eleitoral. Ainda que nascida da indignação de mulheres contra Bolsonaro, a palavra de ordem “Ele não” foi adotada por militantes de diferentes rivais do candidato presidencial líder nas pesquisas.

Desta forma, pensando com excesso de otimismo e ingenuidade, talvez seja possível justificar esta cobertura tímida e medíocre como um esforço de buscar equilíbrio em um momento delicado e conturbado.

Acho complicado comparar o “Ele não” na TV com outras coberturas de grandes eventos de cunho político, como os atos a favor do impeachment da ex-presidente Dilma, a partir do final de 2015, as manifestações de junho de 2013 ou, mesmo, no limite, os comícios das Diretas Já, em 1984. São situações e contextos muitos diferentes, que evocam emoções fortes, mas difíceis de equiparar pela régua do jornalismo.

Em todo caso, uma série de elementos do “Ele não” leva a crer que as manifestações de 29 de setembro configuram um momento original e marcante, que será lembrado pelas gerações futuras. Mas, para entender o que aconteceu, pesquisadores não encontrarão muita ajuda, em matéria de fontes e registros, nos arquivos da televisão.

Se o 29 de setembro foi, de fato, um dia histórico no Brasil, a TV perdeu o bonde. Mais uma vez.

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