Toffoli diz que hoje prefere chamar golpe militar de 'movimento de 1964'

Segundo ele, esquerda e direita conservadora tiveram a conveniência de não assumir seus erros

Gabriela Sá Pessoa
São Paulo

Durante discurso em seminário sobre os 30 anos da Constituição de 1988, ao falar sobre o golpe militar de 1964, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, disse que hoje se refere ao período como "movimento de 1964".

Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, durante debate sobre os 30 anos da Constituição
Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, durante debate sobre os 30 anos da Constituição - Bruno Santos/Folhapress

“Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”, afirmou Toffoli, citando um aprendizado que teve com o ministro da Justiça, Torquato Jardim. A palestra ocorreu nesta segunda-feira (1º), na Faculdade de Direito da USP.

Toffoli traçou um longo histórico do sistema político e partidário brasileiro que, para ele, desde sua origem atende a interesses locais e setorizados, sem capacidade de apresentar propostas nacionais.

Para o presidente do Supremo, mesmo os partidos com orientação ideológica “hoje, se mostram órfãos de qualquer tipo de posicionamento do ponto de vista político, filosófico e institucional”.

A longevidade da Constituição, disse Toffoli, simboliza a estabilidade das instituições políticas e jurídicas do país e deve ser defendida. A Carta, em sua visão, é resultado de um pacto que deu voz "àqueles que foram, por décadas, excluídos da participação dos direitos reais de igualdade não só perante à lei, mas na própria lei".

Ao falar do período do regime militar, Toffoli citou textos do historiador Daniel Aarão Reis e afirmou que tanto a esquerda quanto a direita conservadora, naquele período, tiveram a conveniência de não assumir seus erros que antecederam 1964, passando a atribuir os problemas aos militares.

O presidente do Supremo defendeu, também, a pluralidade dos poderes. “O poder que não é plural é violência”, afirmou. “O Judiciário, para ser democrático, precisa das divergências e até mesmo dos embates que vão produzir a síntese de uma decisão plural —que, por ser plural, tem margem democrática.”

Toffoli defendeu reformas que fortaleçam o sistema partidário, aprimorando a cláusula de desempenho para que legendas possam ter acesso a recursos públicos, como tempo de propaganda eleitoral e verbas dos fundos partidário e eleitoral. Também defendeu a alteração do atual sistema de eleição do legislativo, do sistema de lista aberta para o distrital.

Questionado se a confiabilidade do Supremo estava sendo questionada pela população nos últimos anos, o presidente do STF disse que não há base empírica para essa afirmação e que pensa o contrário.

Nos últimos anos, afirmou, o STF lidou com “situações extremamente dramáticas e delicadas”, citando o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) e duas denúncias contra o presidente Michel Temer.

“Nós, com todas as críticas que se pode fazer, nos saímos bem ou mal? Minha resposta é que saímos bem. Fomos o poder moderador, o ponto de equilíbrio”, disse.

Repúdio

O Centro Acadêmico 11 de Agosto, entidade que representa os alunos da Faculdade de Direito da USP, divulgou nota de repúdio a Toffoli por causa das afirmações e cobrou uma retratação do ministro.

"Tal posicionamento por parte do presidente da Suprema Corte é grave, sobretudo considerando o atual contexto", diz o comunicado, mencionando que a declaração causou "surpresa geral" e ironicamente ocorreu em discurso sobre os 30 anos da Constituição.

"São justamente posicionamentos como este, que menosprezam os graves crimes contra a humanidade e o brutal desrespeito aos direitos humanos ocorridos no país durante o regime militar, que estimulam o recrudescimento do discurso de ódio e autoritarismo, lamentavelmente crescentes em nosso ambiente político", afirmou a organização.

Para o 11 de Agosto, "o Brasil ainda é marcado por grandes resquícios da ditadura militar e não houve, por parte do Estado brasileiro, prestação de contas de maneira assertiva sobre o que se passou naquele período".

A organização estudantil usou a nota também para condenar "a investida de setores militares com vistas a influenciar o processo eleitoral que se avizinha" e criticar "a ameaça antecipada por parte de candidatos de não reconhecimento do resultado das urnas, atentando outra vez contra a soberania popular".

O comunicado é encerrado com as expressões #DitaduraNuncaMais e #EleNão —esta, mote de protestos contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).

Colaborou Joelmir Tavares

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