Descrição de chapéu Eleições 2018

Votação em cadeia do RS tem preso virado para a parede e divisão de facções

Presídio superlotado de Porto Alegre monta esquema para evitar briga de grupos rivais

Felipe Bächtold
Porto Alegre

A primeira vista, parece um local de votação em uma escola como outra qualquer: cartazes com material didático de português e biologia nas paredes, um mapa-múndi e mesas e cadeiras amontoadas para permitir o acesso à urna. 

Ao lado da porta, além do número da seção, porém, há uma outra indicação: "Pavilhões G, H, I e J". Nas janelas, grades. E gritos ouvidos no corredor confirmam que quase nada é muito convencional na zona eleitoral 159, do Rio Grande do Sul.

Urnas eletrônicas, mesários e toda a documentação de praxe foram providenciados pela Justiça Eleitoral gaúcha para três seções montadas neste domingo (28) dentro da Cadeia Pública de Porto Alegre, que abriga 4.400 presos, mesmo tendo capacidade para 1.824 vagas. É um dos maiores presídios do país e o maior do Sul.

A prisão, que se chamava Presídio Central até 2016, se tornou um dos símbolos da degradação do sistema prisional do país e dor de cabeça para todos os últimos governadores do estado. Suas precárias instalações, construídas na década de 1950, chegaram a ser alvo de medida cautelar da OEA (Organização dos Estados Americanos), em 2013.

As delicadas condições de segurança, outro de seus problemas recorrentes, influenciaram no modo como foi organizada a ida dos detentos ao local de votação. Foi preciso escalonar a chegada de eleitores de diferentes pavilhões em pequenos grupos. A medida evitou que integrantes de facções rivais se encontrassem e é usada no dia a dia para os deslocamentos ao posto de saúde interno, por exemplo.

A cadeia é conhecida pelo domínio de diferentes facções em seus pavilhões, em grupos chamados, por exemplo, de "Manos" e "Bala na Cara".

Enquanto aguardam sua vez na fila de votação, os eleitores ficam virados para a parede. No código de conduta interno, esse procedimento é adotado quando há a presença de pessoas de fora do presídio, o que reduz o contato dos detentos com visitantes.

Em vez de título de eleitor e identidade, os presos têm como documentação uma ficha com digitais e fotos. 

As seções foram instaladas em salas de aula de cursos de educação de adultos, como de alfabetização de detentos. A área fica mais afastada das galerias, próxima à entrada principal e a setores de serviços a presos, como o parlatório e os consultórios.

Para chegar às seções eleitorais, os eleitores-detentos tiveram que ser revistados. A reportagem precisou de autorização para passar por três portões de ferro para ir até lá. Celulares só são permitidos para os integrantes da segurança.

Neste domingo, a votação de todos os inscritos foi rápida, durando menos de duas horas. Na maior parte do tempo, o local serviu apenas como posto de justificativa de trabalhadores do presídio.

As visitas de fim de semana de familiares foram realizadas normalmente, sem incidentes. Nem mesmo houve comentários sobre política entre os eleitores, segundo os mesários, que ganharam um bolo feito pelos presos.

"Aqui é mais seguro do que muitas seções fora", diz o presidente de uma das seções, Rodrigo Costa, que é servidor público.

Desde os anos 1990, como forma de ampliar a segurança, a vigilância do presídio está a cargo da Brigada Militar (a PM gaúcha), e não de agentes penitenciários.

O episódio mais tenso em eleições anteriores, segundo conta o presidente de outra seção da cadeia, Rafael de Meneghi, ocorreu quando presos nas galerias começaram a bater panelas em meio à votação.

Por precaução, os mesários foram levados para uma sala do setor, que foi protegida com escolta. Mas não se tratava de tumulto: os detentos fizeram a manifestação para chamar a atenção dos guardas porque um preso estava passando mal.

Veterano em eleições no local, Meneghi diz que anteriormente as urnas eram montadas na entrada das galerias, e os presos digitavam os números pela grade. 

As votações no presídio ocorrem desde 2006. O Ministério Público argumentou à época que era preciso fazer valer a lei que autoriza o voto de presos provisórios e que a participação na eleição promove a "reintegração à sociedade".

Para votar, os presos tiveram que se registrar meses antes, por meio de formulários distribuídos pela segurança. Pela lei, só é permitido o voto de quem não tem condenação transitada em julgado (quando cabem recursos). 

Segundo os mesários, houve neste domingo até casos de voto em trânsito —presos de outros estados que se registraram para votar apenas para presidente.

Nem todas as cadeias gaúchas tiveram locais de votação. Foram providenciadas seções eleitorais em 13 cidades, para 950 inscritos, incluindo jovens de 16 e 17 anos.

Nas últimas campanhas eleitorais, a Cadeia Pública esteve presente nos debates dos candidatos a governador. Pouco antes da eleição de 2014, o então governador Tarso Genro (PT) demoliu uma das alas, em iniciativa que anunciava como o início do fim da cadeia. Imagens da demolição chegaram a ser exibidas no horário eleitoral. 

Tarso perdeu aquela eleição e, no governo de seu sucessor, José Ivo Sartori (MDB), o plano de desativação gradual foi revisto. Sartori disse em debate na semana passada, ao falar de suas ações para a segurança, que reconstruiu a ala demolida. O governo do emedebista fez uma permuta com um grupo empresarial que viabilizou a construção de uma nova unidade junto ao complexo da Cadeia Pública.

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