CCR faz acordo e cita doação via caixa dois para Alckmin e Serra

Concessionária pagará R$ 81,5 milhões de multa

Mario Cesar Carvalho
São Paulo

A CCR, que atua no mercado de concessões de estradas, metrôs e aeroportos, e o Ministério Público de São Paulo assinaram acordo nesta quinta (29) , no qual a empresa relata ter doado R$ 44,6 milhões para o caixa dois de políticos de São Paulo, em valores corrigidos.

Praça de pedágio da concessionária CCR Nova Dutra, entre as cidade de São José dos Campos e São Paulo - Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

Os nomes dos políticos estão sendo mantidos sob sigilo, mas a Folha apurou que fazem parte do grupo o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o senador José Serra (PSDB-SP) e o ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab (PSD) --futuro chefe da Casa Civil do governador João Doria (PSDB).

Por ser concessionária de serviço público, a CCR é proibida por lei de fazer doações a partidos.

Para se livrar de processos que teria de responder, a empresa pagará uma multa ao estado de R$ 81,5 milhões para o governo paulista, dos quais R$ 17 milhões serão usados para a reforma da biblioteca da Faculdade de Direito da USP. O pagamento será feito em duas parcelas, em março de 2019 e março de 2020.

A Folha revelou em maio que a CCR negociava um acordo no qual citaria Alckmin como um dos beneficiários de recursos de caixa dois da concessionária. O montante, de R$ 4,5 milhões, foi entregue, segundo a empresa, a um cunhado de Alckmin, Adhemar Ribeiro. A Odebrecht também citou o cunhado como operador de recursos ilícitos para campanhas do tucano.

O valor destinado a Serra, de R$ 3 milhões, teria sido intermediado pelo empresário Marcio Fortes, também citado pela Odebrecht como operador do tucano.

Alckmin e Kassab já negaram que tenham recebido recursos ilícitos na sua campanha.

A doação via caixa dois visava conquistar a simpatia dos políticos para os pleitos da CCR junto ao governo, segundo declarações de executivos da CCR feita ao promotor José Carlos Blat, que negociou o acordo.

Nenhum dos executivos falou em contrapartida do governo para as doações, o que poderia caracterizar corrupção, um crime muito mais grave do que o caixa dois.

Se a Promotoria encontrar provas de que houve corrupção, o acordo será desfeito.

A CCR começou a negociar o acordo em maio deste ano, depois de o operador financeiro Adir Assad ter contado em acordo de delação que havia gerado R$ 46 milhões para o caixa dois da empresa.

Preso pela Operação Lava Jato em 2016, Assad disse que fornecia recursos para o caixa dois da CCR simulando a prestação de serviços ou por meio de contrato de patrocínio de uma equipe de corrida que ele mantinha, na categoria stock car. Em alguns casos, havia de fato prestação de serviços.

​Assad disse ter intermediado um contrato de merchandising da concessionária com a Rede Globo.

No acordo que assinou com procuradores da Lava Jato, Assad afirmou que tinha uma relação de amizade com o ex-presidente da CCR, Renato do Valle, e com um ex-executivo do grupo, José Roberto Meirelles. A prática de caixa dois ocorreu quando Valle ocupava a presidência da companhia.

Segundo Assad, foi o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, que o apresentou a Renato do Valle.

Valle foi demitido por conta da revelação do caixa dois e da relação que mantinha com Paulo Preto. Meirelles havia deixado a companhia em 2012. 

A CCR fez o acordo para evitar ter mais problemas no futuro, com repercussões no valor das ações negociadas na B3, a Bolsa paulista. Em fevereiro deste ano, quando o acordo de delação de Adir Assad se tornou público, as ações despencaram 10,1% e o valor da empresa caiu R$ 4,62 bilhões.

Foi para evitar que a sangria continuasse que a CCR criou um comitê independente para investigar o destino do dinheiro do caixa dois, formado, entre outros, pelo ex-ministro do Supremo Carlos Veloso. Um escritório de advocacia brasileiro e outro americano foram contratados para acompanhar a apuração. Inicialmente, a CCR estimava que o valor do caixa dois destinado aos políticos era de R$ 17 milhões. 

Posteriormente, chegou ao valor de R$ 30 milhões que, corrigidos, chegam aos R$ 44 milhões que constam do trato.

Os advogados de Alckmin, José Eduardo Alckmin e Marcelo Martins de Oliveira, afirmam em nota que o ex-governador "jamais recebeu recursos, a qualquer título, da empresa mencionada". Dizem ainda que "o financiamento de suas campanhas eleitorais sempre foi realizado na forma da lei e sob fiscalização da Justiça eleitoral" e que o ex-governador "desconhece os fatos noticiados e, até a presente data, não lhe foi dado conhecer do que tratam os autos do inquérito civil".

Serra disse em nota que as contas de suas campanhas eram de responsabilidade do partido e todas foram aprovadas pela Justiça eleitoral.

Kassab afirma que sempre se guiou pela legalidade e que “todas doações recebidas pelo partido obedeceram à legislação vigente”.

Em nota, a CCR afirmou que não comentaria o teor do acordo, chamado tecnicamente de autocomposição, por ser sigiloso. Disse que "segue contribuindo com todas as autoridades públicas a fim de esclarecer fatos que envolvam a companhia e suas controladas, além de promover ajustes na gestão da política de governança e de compliance, a partir da criação de novas vice-presidências".

Prossegue a nota: "A CCR reafirma o compromisso em seguir modernizando a infraestrutura brasileira, oferecendo serviços de qualidade para os usuários no Brasil e no exterior".

Os advogados que negociaram o acordo, Sebastião Tojal, Celso Vilardi e Roberto Telhada, não quiseram se pronunciar.

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