Descrição de chapéu

Como superministro, Moro faz uma aposta total no seu futuro político

Juiz pode se cacifar à Presidência ou sumir, como o seu análogo da Operação Mãos Limpas na Itália

Igor Gielow
São Paulo

Ao iniciar a carreira política na qual prometeu nunca enveredar, Sergio Moro tem uma avenida de riscos e oportunidades à frente.

Sergio Moro e Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, após encontrarem Bolsonaro
Sergio Moro e Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, após encontrarem Bolsonaro - Mauro Pimentel/AFP

Os problemas já estão precificados. O principal é a suspeição automática sobre Moro, em que pese que ele condenou gente de toda coloração partidária, na condução do caso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aqui é política, não justiça: a aparência conta tanto ou mais do que o que de fato ocorreu. Não dá para dizer, contudo, que não era algo esperado.

Além disso, será interessante ver como o futuro ministro irá se comportar, por exemplo, ao lado do colega Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Além de novo chefe da Casa Civil, o deputado admitiu ter recebido caixa dois da JBS no ano passado. Na função de timoneiro da Lava Jato, Moro é um dos responsáveis pelo fato de que um crime considerado banal por políticos tornou-se pecado mortal.

Mais: o juiz cuidará da Segurança Pública, que havia sido extirpada da Justiça no começo do ano. As propostas polêmicas de Jair Bolsonaro (PSL) e seu entorno serão aceitáveis? Como juiz, ele considera isentar policiais que matam em serviço de qualquer processo legal? E como ministro?

O outro lado é claro: as questões acima costumam só incomodar aqueles que já rejeitam Bolsonaro e qualquer coisa associada ao presidente eleito. Logo, para Moro é uma questão de ou tapar o nariz ou inspirar profundamente por concordância; tanto faz no fim.

Há riscos práticos de resultados. A Lava Jato, ao ser "levada para o governo", deixa de ser uma força multidisciplinar exposta a escrutínio, freios e contrapesos das diferentes instituições que a compõem. Claro, não se fala aqui do fim da operação, mas de sua desmoralização.

Como diria Ben Parker (o tio do Homem-Aranha), com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Se Moro será um superministro, terá de fazer escolhas ponderadas para não ser visto como uma espécie de J. Edgar Hoover tropical —o mítico diretor do FBI que passou 48 anos chefiando a arapongagem americana, pois todos os políticos temiam o alcance de sua rede de investigação.

Isso, obviamente, é assunto para quando a realidade se colocar. Assim como o ônus e o desgaste por decisões que afetem direitos civis que, digamos, sejam derrubadas no Supremo Tribunal Federal. Nisso, Bolsonaro acertou em cheio: Moro é um anteparo.

O lado dos prós é relativamente simples. Se aplicar seus superpoderes corretamente e lograr qualquer coordenação com os estados para enfrentar a epidemia de homicídios brasileira, se usar os órgãos de inteligência financeira para não depender apenas do controle da fronteira porosa para frear o PCC, Moro ficará com os louros.

A agenda de combate ao crime organizado, de resto interligada aos 64 mil mártires anuais da violência, já é prioridade do setor militar da equipe de Bolsonaro; se trouxer sua experiência da Lava Jato para a mesa, algo de novo pode surgir.

E aí ser ministro do Supremo passa a ser um prêmio de consolação: a meta tornar-se um ator para disputar a Presidência. Se em 2022 ou em 2026, aí extrapolamos a futurologia.

Como estudioso da Operação Mãos Limpas, a Lava Jato da Itália dos anos 1990 na qual se inspirou, o juiz deve estar a par do destino não muito honroso de Antonio di Pietro, que era o Sergio Moro da ocasião. Ele entrou no governo como ministro (voltaria na década seguinte), tentou viabilizar um partido político em cima de "valores", virou celebridade nacional mas, com o tempo, evanesceu nos meandros da política que quis reformar. Vejamos o que acontecerá aqui.

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