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Eleito, Bolsonaro ataca PT e destaca segurança em primeiras entrevistas

Presidente repete padrão adotado na campanha eleitoral; para especialistas, estratégia destoa de antecessores

O agora presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) durante evento em Ribeirão Preto (SP), em abril
O agora presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) durante evento em Ribeirão Preto (SP), em abril - Marcelo Teixeira - 30.abr.2018/Reuters
São Paulo

As primeiras falas públicas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) priorizaram ataques ao PT e tópicos relacionados à segurança pública, indica levantamento da Folha.

Esses e outros dos temas mais abordados pelo capitão reformado repetem discursos feitos durante a campanha presidencial.

Três especialistas em discurso político consultados pela reportagem afirmam que essa repetição não é usual para um presidente eleito.

Tradicionalmente, dizem eles, o vitorioso começa a detalhar as medidas do governo nessas primeiras declarações e não segue atacando em larga escala os adversários.

A Folha analisou o pronunciamento feito por Bolsonaro via rede social logo após ter sido eleito, assim como as primeiras entrevistas concedidas às TVs Record, Bandeirantes e Globo, além de conversa com outros jornalistas ainda no domingo (28).

Modelo estatístico apontou os assuntos mais presentes nessa uma hora e meia de declarações, que resultaram em 13,8 mil palavras analisadas.

Críticas ao PT e à esquerda foram os temas mais presentes, com 14% das menções. Bolsonaro sugeriu, por exemplo, que poderia prender as cúpulas do PT e do PSOL.

Disse ainda que o programa Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff (PT), foi feito "para atender à ditadura cubana".

Ataque a rivais foi também o tema mais presente na campanha de Bolsonaro, apontou o GPS Eleitoral, ferramenta da Folha que monitorou as estratégias dos candidatos.

"Bolsonaro se comportou mais como candidato do que como presidente eleito nessas primeiras declarações", disse Luiz Farias, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, que pesquisa opinião pública.

"Ele seguiu confrontando os adversários já vencidos, o que é incomum", declarou.

Para comparação, a reportagem analisou também o discurso da vitória e as primeiras entrevistas da então presidente reeleita Dilma Rousseff (PT), em 2014.

Ataques ao rival Aécio Neves ou ao seu partido, o PSDB, não apareceram nem entre os 11 tópicos mais presentes nos discursos dela.

Os assuntos mais mencionados nas falas de Dilma foram apoio a investigações de corrupção, necessidade de dialogar com o Congresso Nacional e a defesa da reforma política.

"O mais comum é que o presidente, quando eleito, priorize o detalhamento de como vai governar. Como não fez isso, Bolsonaro parece não ter um plano muito definido", afirmou a professora de política Vera Chaia, da PUC-SP.

Chaia diz que os primeiros passos para se entender o que será o governo Bolsonaro apareceram apenas quando começaram a ser divulgadas ao longo da semana as fusões de ministérios e nomes de ministros confirmados, como Sergio Moro (Justiça), anunciado na última quinta-feira (1º).

Alinhado com o anúncio da chegada do juiz ao futuro governo, o presidente eleito fez da segurança o terceiro assunto mais presente em suas primeiras falas.

Sobressaíram nas declarações de Jair Bolsonaro a intenção de dar retaguarda a policiais, até para "abater" criminosos; de diminuir a maioridade penal; e de facilitar o porte de armas para a população.

Segurança foi o tema prioritário no início da campanha de Bolsonaro, mas que perdeu espaço ao longo da disputa para críticas à esquerda.

A prioridade sobre o tema da segurança parece atender a um anseio da população.

Pesquisa Datafolha com eleitores, publicada em setembro, apontou a violência como o maior problema do país, ao lado da saúde.

Ao analisar os dados levantados pela Folha, o professor da ESPM Luiz Peres Neto, doutor em ciências da comunicação e que pesquisa o populismo, diz que chamam a atenção as menções de Bolsonaro à religião.

"Nenhum outro presidente brasileiro deu tanta ênfase a Deus em suas primeiras declarações", afirmou.

Antes do discurso da vitória, feito via uma rede social, o presidente eleito apareceu no vídeo em oração ao lado de aliados.

Segundo o modelo estatístico usado pela Folha, assuntos relacionados à religião ocuparam 7% das menções do capitão reformado em suas falas iniciais. Para Dilma Rousseff, o tema nem apareceu na contagem.

"Ele parece muito à vontade quando fala de religião e de ataques ao PT", disse o professor da ESPM.

"E fica desconfortável quando precisa falar de assuntos relacionados a medidas e planos de governo, como direitos trabalhistas. Ele não é claro no que pretender fazer", declara o especialista.

Menções a composição ministerial e reforma econômicas apareceram como segundo assunto mais mencionado pelo presidente eleito.

Mas Bolsonaro deu poucos detalhes do que pretendia fazer, preferindo enfatizar que tudo ainda estava em discussão.

Uma diferença entre os discursos iniciais de Bolsonaro e de Dilma é que o capitão reformado, apesar dos ataques ao PT, também ressaltou a necessidade de unificar o país.

Essas menções representaram 6% do total; para Dilma, por outro lado, acenos aos adversários tiveram tão pouco destaque que nem apareceram na contagem do modelo estatístico.

Marina Merlo, Guilherme Garcia e Fábio Takahashi
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