Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Justiça terá papel moderador no governo Bolsonaro, diz presidente da Ajufe

Fernando Mendes, que lidera entidades de juízes, vê positivamente ida de Moro para ministério

Fábio Zanini Wálter Nunes
São Paulo

Na última quinta-feira (1), o celular do juiz federal Fernando Mendes, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), não parava de tocar. 

O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes - Divulgação

Colegas e jornalistas o procuravam para repercutir a notícia do dia: Sergio Moro decidira abandonar a magistratura e aceitar o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ser um superministro da Justiça, pasta que acumulará poderes no novo governo.

Mendes repetia a cada interlocutor a posição da entidade. "A decisão de sair da magistratura para assumir um cargo no Executivo ou no Parlamento é escolha pessoal de cada um", diz. "Mas é uma posição definitiva. Somos contra a ideia de alguns que propõe o retorno ao cargo depois desse tipo de decisão".

Mendes se referia ao governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que em recente entrevista à Folha defendeu que um juiz deve poder voltar ao cargo após uma candidatura ou a participação em governos. 

"Não é porta giratória. É porta de mão única. Você saiu da magistratura não volta mais", diz o presidente da Ajufe.

Segundo ele, o Poder Judiciário, no governo Bolsonaro, terá uma função moderadora e um garantidor de que não haverá retrocessos no campo dos direitos. 

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Sempre se falou da judicialização da política. Recentemente, um juiz foi eleito [Wilson Witzel, no Rio de Janeiro] e outro virou ministro da Justiça. Existe agora o fenômeno inverso, a politização do Judiciário? Essa questão não é tão simples. O Judiciário tem que ser demandado. As questões vêm e ele é obrigado a decidir. Agora, esse fenômeno [de juízes entrando na política] toma uma dimensão grande hoje com um governador eleito [Witzel] e com o Sergio Moro aceitando o convite para assumir o Ministério da Justiça. Mas veja, nós somos quase 2.000 juízes federais. Nós temos dois casos num universo muito grande.

Mas são dois casos emblemáticos. São juízes protagonistas. Mas não digo que seja uma regra. É uma situação muito excepcional. A Ajufe não apoia e é fortemente contrária a qualquer proposta para que um juiz possa ocupar essas duas funções de maneira simultânea ou que faça isso sem se desvincular do cargo.

A possibilidade de uma porta giratória para a entrada de magistrados na política não pode levantar questões sobre a imparcialidade do juiz? Não é porta giratória. É porta de mão única. Você saiu da magistratura, não volta mais. Esse é o primeiro ponto diferencial. Se tivéssemos uma porta giratória, seria um grande problema, porque hoje você é juiz, amanhã você é parlamentar, depois volta a ser juiz e volta a julgar aqueles colegas ou seus adversários políticos. Isso não é permitido no nosso modelo.

Como o sr. viu a criação de um superministério da Justiça para Moro? O que a gente vê com bons olhos é uma preocupação com o aperfeiçoamento do nosso modelo, a possibilidade de o Ministério da Justiça reunir diversos órgãos que já atuam com políticas de controle da criminalidade, combate ao crime organizado, à criminalidade financeira. Temos que pensar com esse olhar profissional de especialização, de integração desses órgãos para que possa fazer frente à criminalidade, que está cada dia mais sofisticada.

Não é desaconselhável reunir tanto poder de investigação na mão de uma pessoa? A figura do superministro, como está dito do Sergio Moro, do ponto de vista simbólico vai ser importante. Agora, eu acho que essa preocupação é minimizada na medida em que há órgãos de controle. A Polícia Federal e os demais órgãos não fazem nenhum tipo de investigação sem um controle do Ministério Público e do Judiciário. 

Moro sempre foi um juiz ousado, testando os limites da lei. Alguns diriam que ele extrapolou em alguns momentos. Como ministro ele deve agir assim também? Não diria que ele foi ousado ou extrapolou. Eu diria que dentro do nosso modelo de justiça ele tem uma independência e decide com base em nossos parâmetros legais. Quase 90% das decisões dele foram confirmadas pelos tribunais superiores. Então isso esvazia um pouco o discurso de que ele foi arbitrário ou cometeu alguma irregularidade. 
Em relação ao Ministério da Justiça, obviamente que muda completamente o papel. Uma coisa é você ser juiz, ter o poder de decisão, ter independência funcional e decidir de acordo com os fatos e as provas do processo, aplicando a lei em um caso concreto. Outra é você ser um ministro, em que você vai ser na verdade um grande articulador político, vai ter que conviver ali e fazer o diálogo em diversas instituições. Ele vai ter que mudar o papel. 

Qual o reflexo da nomeação dele para a Lava Jato? A Lava Jato não se resume a Curitiba. Ela começou em Curitiba, decorreu de uma investigação pontual que revelou um sistema corrompido, podre, de relação entre o poder público e as grandes empresas. Só que hoje ela foi muito além de Curitiba. Tem investigações no Rio de Janeiro, em São Paulo, no próprio Supremo. Embora o Moro possa simbolizar um dos seus grandes atores, ela não se resume a ele. Hoje há vários juízes que atuam nessas investigações, desembargadores, juízes. 

Há o temor de que Bolsonaro promova mudanças que possam afetar de maneira negativa minorias e ir contra os direitos humanos. O Judiciário pode funcionar como garantidor de que não haverá retrocessos? Sem dúvida. Há o discurso político de campanha. Outra coisa vai ser o presidente que vai assumir o cargo. Qualquer excesso, desvio ou rompimento com o modelo constitucional vai ser fortemente combatido. O julgamento que ocorreu no STF sobre a questão das universidades públicas [em que manifestações e palestras foram censuradas na semana passada] já foi simbólica nesse ponto. 

Bolsonaro já deu declarações fortes contra o Judiciário. O sr. vê o risco de que ele possa tentar miná-lo diante de decisões que o desagradem? Eu não acredito nisso. Houve durante a campanha um excesso de discursos, e isso foi feito pelos dois lados. Já no segundo turno houve uma calibragem. Bolsonaro assumindo, com o peso institucional da Presidência da República, tem que haver convivência harmônica entre os Poderes. Não acredito que vá haver um desrespeito, porque há uma linha, uma declaração por parte do presidente eleito de que vai haver uma atuação conforme o modelo constitucional.
Então, o Judiciário vai servir como esse poder moderador, de arbitrar os conflitos. E há um ponto que a gente não pode deixar de observar. Muito embora o presidente eleito tenha tido 57 milhões de votos, o que lhe confere uma legitimação sem dúvida nenhuma indiscutível, houve também um grande número de eleitores que não votaram nele. É um país que está polarizado. 
Superada essa fase da eleição, o que é preciso tentar é um diálogo de harmonização do país. As forças políticas precisam estabelecer uma pauta comum mínima, que é a condição necessária para que o país caminhe positivamente.

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