Há semelhanças, sim, entre a indicação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça com o ingresso de procuradores italianos da Operação Mãos Limpas no governo daquele país.
Mas as diferenças são muito mais importantes do que aparentes padrões repetitivos, segundo o procurador Rodrigo Chemim, um dos principais estudiosos no Brasil das investigações iniciadas na Itália em 1992 e autor do livro "Mãos Limpas e Lava Jato: a Corrupção se Olha no Espelho".
O papel de Moro na Justiça deve ser o oposto do que ocorreu na Itália sob o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, segundo ele. "Moro tem a pretensão de alterar a lei, com melhorias, para consolidar as conquistas da Lava Jato. Me parece um efeito inverso do que houve na Itália", afirmou Chemim à Folha.
O efeito Moro seria diferente porque na Itália a chegada de Berlusconi ao poder serviu para acabar com a Operação Mãos Limpas, ainda de acordo com Chemim, e salvar os políticos que estavam sob investigação das Mãos Limpas.
O procurador também faz ressalvas quando se compara Moro com Antonio di Pietro, investigador das Mãos Limpas que foi para o governo de Romano Prodi.
Primeiro porque Pietro não foi para a Justiça, como ocorre com Moro, mas para uma pasta de Obras Públicas. Segundo porque Prodi não era um primeiro-ministro de direita, como era o caso de Berlusconi e Bolsonaro, mas de centro-esquerda.
O pesquisador das Mãos Limpas vê semelhanças entre Moro e o declarado modelo do ex-juiz federal, o procurador Giovani Falcone, assassinado junto com a sua mulher em um atentado a bomba ordenado pela máfia. "Acho que o Falcone é a grande inspiração do Moro por causa desse combate contra a máfia."
Há alguma semelhança entre a ida de Sergio Moro para o Ministério da Justiça de Bolsonaro e a situação de procuradores italianos à época da Operação Mãos Limpas? Há alguma semelhança, sim, mas vejo mais diferença do que semelhança. A principal diferença é que na Itália os que foram para o governo não eram juízes, mas procuradores da República. Há essa confusão porque procuradores são chamados na Itália de juízes do Ministério Público. O segundo ponto é que os procuradores recusaram o convite de Silvio Berlusconi. Dois anos depois, Antonio di Pietro, que era o principal investigador das Mãos Limpas, se afasta da magistratura e aceita o convite para o ministério das Obras Públicas. Não é o ministério da Justiça, como é o caso de Moro, nem era o Berlusconi o primeiro-ministro, mas Romano Prodi. Ele demorou dois anos para aceitar.
Há semelhanças entre Berlusconi e Bolsonaro? Ambos são de direita, conservadores, contra os políticos que estavam no poder, mas Berlusconi estava envolvido em processos criminais e isso o levou a deixar suas empresas e ingressar vida política. Berlusconi declara que entrou na política para não ser preso por causa do foro privilegiado que tem o primeiro-ministro. Ele, inclusive, vai protagonizar uma série de mudanças na legislação que neutralizam a Operação Mãos Limpas.
Isso parece diferente do papel que Moro deve ter na Justiça.É exatamente o oposto do papel que Moro deve ter no Ministério da Justiça. Moro tem a pretensão de alterar a lei, com melhorias, para consolidar as conquistas da Lava Jato. Me parece um efeito inverso do que houve na Itália.
Moro disse em nota enviada a juízes que gostaria de ser como Giovani Falcone, que "fez grande diferença mesmo em pouco tempo". Isso é possível? Giovani Falcone foi um procurador da República. Eles chamam de juiz na Itália, mas não é juiz propriamente dito. Ele conduziu o chamado Maxiprocesso contra a máfia nos anos 1980. É uma investigação diferente da Operação Mãos Limpas. Ele finaliza a investigação no ano em que está começando as Mãos Limpas, em 1992. Falcone estava tentando mudar a legislação antimáfia quando sofre o atentado ordenado pela máfia e morre. O que talvez o Moro esteja pensando é nessa legislação antimáfia. Acho que o Falcone é a grande inspiração do Moro por causa desse combate contra a máfia.
No Brasil, a esquerda tem atacado Moro por ter aceitado o convite, com o argumento de que ele conduziu a Lava Jato de maneira partidária. Isso ocorreu na Itália com Antonio di Pietro? Ocorreu, mas não com uma força tão grande como está acontecendo no Brasil. Di Pietro foi para o governo de Romano Prodi, um primeiro-ministro de centro-esquerda, não para o de Berlusconi, que era conservador. Não me parece que o Moro tenha aceitado o convite para ser ministro por razões políticas. Me parece muito mais que ele aceitou por motivos técnicos. Até porque a Lava Jato começou há quatro anos e o Bolsonaro só passou a ter a projeção que o levou à vitória há quatro meses.
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