Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Não é o caso de comprar brigas que não podemos vencer, diz Hamilton Mourão

Vice-presidente eleito defende pragmatismo e cautela em temas como economia e relações com China, Venezuela e Oriente Médio

O general Hamilton Mourão, vice presidente de Jair Bolsonaro, chega ao CCBB para reunião com equipe de transição
O general Hamilton Mourão, vice presidente de Jair Bolsonaro, chega ao CCBB para reunião com equipe de transição - Walterson Rosa - 7.nov.2018/Folhapress
Mônica Bergamo
São Paulo

A rotina do general da reserva Hamilton Mourão tem sido intensa no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), que abriga o governo de transição.

Na quarta (21), o vice-presidente eleito recebeu, por exemplo, o senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL).

Pouco depois, atendeu a Folha em seu gabinete, para uma conversa "de 30 minutos". Pouco tempo, mas o possível para a sua agenda apertada.

A entrevista foi interrompida por duas vezes pelo futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, aflito para conversar com o vice. "Paulo, vou terminar aqui e já vou aí contigo. Tá bom? Tá ok?", desculpou-se Mourão. "Perfeito, só para eu saber", respondeu Guedes.

Amistoso e acessível, Mourão não se furta a dar suas opiniões, que nem sempre parecem coincidir com as do presidente eleito Jair Bolsonaro ou com as de Guedes.

Ele acha, por exemplo, que o bom relacionamento com a China é fundamental. Defende que o Brasil mantenha diálogo com o Mercosul antes de "extinguir, derrubar, boicotar" o acordo.

Acredita que é preciso cautela para tratar da mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém pois ela pode transferir a "questão do terrorismo internacional" para o Brasil.

Afirma que a privatização da área de refino da Petrobras exigiria mais estudos.

No governo, diz que pretende coordenar o trabalho de ministérios.

Na política, refuta a hipótese de o Brasil passar a viver sob a tutela de militares.

"O país entrou numa tal rota de falta de ética, de corrupção, ineficiência e má gestão que a população como um todo passou a se voltar para as Forças Armadas", diz. "E as Forças Armadas se mantiveram calmas em suas funções."

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:

 

O primeiro embaixador do Brasil nos EUA no regime militar, Juracy Magalhães, falou a célebre frase: o que é bom para os EUA é bom para o Brasil. Isso mudou, mesmo nos governos militares. Declarações de Jair Bolsonaro e do futuro chanceler, Ernesto Araújo, indicam que pode haver de novo um alinhamento com os americanos. Isso é bom para o Brasil? A posição brasileira tem sido sempre marcada por um certo pragmatismo. A gente tem que buscar nossos objetivos e os países que fortaleçam a conquista desses objetivos.

A posição dos EUA é inquestionável. É a potência hegemônica, que tem capacidade de travar guerra em dois locais diferentes ao mesmo tempo e grande projeção tecnológica. É um mercado a ser explorado e uma parceria estratégica.

Mas não podemos descuidar dos outros grandes atores da arena internacional. Não podemos nos descuidar do relacionamento com a China.

O senhor esteve com os chineses. Como eles receberam a frase do presidente eleito de que estão querendo comprar o Brasil? Aquilo [a declaração] é mais uma retórica de campanha, né? Com as redes sociais, muita coisa flui e não é a realidade. E as pessoas compram aquilo como se fosse verdade absoluta.

Não é o que ele pensa? Não digo nem que não seja o que ele pensa. A realidade é que isso é o que vira aí pela rede.

E como o governo pensa? O governo precisará ter uma posição equidistante. É óbvio que com os EUA, vamos colocar assim, tanto o presidente Bolsonaro quanto o presidente [Donald] Trump têm uma forma peculiar de lidar com o mundo exterior. Eles são meio parecidos nisso aí.

Mas Trump comanda a maior economia do mundo e pode comprar certas brigas. Eu acho que o presidente Bolsonaro não vai poder. Exatamente. Nós podemos comprar as brigas que podemos vencer. As que a gente não pode, não é o caso de comprar.

Uma briga com a China não é uma boa briga, certo? Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar —34% das nossas exportações são para a China. Não podemos fechar esse caminho pois tem outros loucos para chegarem nele.

O anúncio de que o Brasil pode mudar a sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, não pode descontentar o mundo árabe? É óbvio que a questão terá que ser bem pensada. É uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada.

Nós temos um relacionamento comercial importante com o mundo árabe. E competidores que estão de olho se perdermos essa via de comércio.

Há também uma população de origem árabe muito grande em nosso país, concentrada nas nossas fronteiras.

Temos sempre que olhar a questão do terrorismo internacional oriundo da questão religiosa, que poderá ser transferida para o Brasil se houver um posicionamento mais forte em relação ao conflito do Oriente Médio.

Agora, dentro daquela disciplina intelectual: após estudado o assunto, espancada a ideia, tomada a decisão, vamos com ela.

O novo chanceler já disse que o debate das mudanças climáticas fazem parte de uma trama marxista para sufocar as economias ocidentais. O senhor concorda? Não resta dúvida de que existe um aquecimento global. Não acho que seja uma trama marxista.

Mas vamos falar do outro lado da moeda: o ambientalismo é utilizado como instrumento de dominação indireta pelas grandes economias. Quando você coloca amarras no nosso país por meio de um ambientalismo xiita, de ONGs, você tolhe um pouco o potencial que o país tem.

O futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse que o Mercosul não será prioridade. O senhor acha que o acordo é ideológico e uma trava para o Brasil? O Mercosul, como acordo de comércio, não está cumprindo a sua função.

Então, antes de pensarmos em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços ainda necessários para que atinja os seus objetivos.

Tem que haver uma conversa maior com os nossos vizinhos. Principalmente com a Argentina.

O senhor vê possibilidade de o Brasil participar de uma intervenção na Venezuela? Ou a possibilidade está descartada? Descartada, é lógico. Não faz parte da nossa tradição diplomática a intervenção em assuntos internos de outros países.

O que o Brasil pode fazer é participar do esforço conjunto internacional para que a democracia retorne ao país, mas com uma pressão diplomática, sem retaliações.

O pessoal gosta de falar de governo militar. Lá é realmente um governo militar porque as Forças Armadas estão em todas as atividades do país.

Existe uma corrupção muito grande nas Forças Armadas venezuelanas. Elas perderam a mão em relação à missão que têm no país. O regime do [Nicolás] Maduro vai cair de maduro. Essa é a realidade.

E, para quem conhece a história da Venezuela [Mourão foi adido militar no país de 2002 a 2004], o meu temor é que a situação descambe em uma guerra civil violenta. As Nações Unidas teriam que intervir, por meio de uma força de paz. Aí o Brasil teria que ser líder. Pela vizinhança e pela nossa experiência.

O senhor falou que na Venezuela há um governo militar e que aqui não será um governo militar. Será um governo com participação de pessoas oriundas das Forças Armadas.

Há o temor de que o país viva sob uma tutela militar. Em nenhum momento houve isso, né? Não houve essa tutela [nos anos recentes]. O que aconteceu ao longo desse período? O país entrou numa tal rota de falta de ética, de corrupção, ineficiência e má gestão que a população como um todo passou a se voltar para as Forças Armadas. E as Forças Armadas se mantiveram calmas e tranquilas em suas funções. Ninguém saiu do quartel nem nada.

Em 2017, o senhor disse que ou o Judiciário retirava da vida política elementos envolvidos em ilícitos ou os militares teriam que impor isso. Na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula no STF, em abril, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, divulgou mensagens contra a impunidade e hoje diz que a situação poderia fugir do controle. Isso não é tentativa de tutela? O que aconteceria se o STF concedesse um habeas corpus? Os militares não deixariam ele sair da prisão? Não, não [é isso]. O que o general Villas Bôas falou foi para mostrar que [a concessão de habeas corpus] desataria um mar de paixões que a gente não saberia aonde ia terminar.

Nas Forças Armadas? Não, não nas Forças. Agora, qual é a nossa missão? Defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais, garantia da lei e da ordem. Então tudo aquilo que poderá perturbar o desempenho de qualquer um dos Poderes constitucionais ou a lei e a ordem é algo que nos preocupa.

Vamos imaginar que os dois lados começassem a se digladiar na rua. Qual é a única hipótese que poderia haver de as Forças Armadas terem que intervir? Se houvesse o caos.

Mas não poderiam interferir na decisão do STF. A decisão não tem nada a ver. O que acontece é que se houver o caos... eu já usei até uma figura de retórica: o país está naufragando, igual ao Titanic. Nós vamos ser a orquestra? Vamos continuar tocando e vamos todos para o fundo? Está na Constituição: as Forças Armadas não podem deixar o país ir para o caos. A libertação do Lula instalaria o caos? Não sabemos. Vamos ficar devendo essa.

O general Villas Bôas também já manifestou preocupação sobre uma eventual politização das Forças Armadas. Zero, zero risco. O pessoal da reserva [participou das eleições]. Mas ninguém foi fazer propaganda dentro dos quarteis. É proibido isso.

O senhor acha que o país deve seguir com projetos de energia nuclear? Nós temos que terminar [a usina nuclear de] Angra 3. Já há não sei quantos bilhões enterrados lá.

Há quem diga que é mais barato encerrar o projeto. Eu acho que não é mais barato, não. O dado que eu tenho é diferente. E é uma questão estratégica para nós. Vamos deixar aquilo parado lá?

Privatização: o que é intocável e não pode ser vendido? A área de exploração da Petrobras? Você não vai vender a Petrobras.

E a área de refino e distribuição? Isso aí tem que ser por etapas. Nós temos problemas na distribuição que chegam a ser irracionais. Por exemplo, o camarada em Ribeirão Preto produz álcool. O produto é retirado dali, é levado para [a refinaria de] Paulínia e depois volta para ser vendido em Ribeirão. Isso é irracional, né? Então a gente pode começar racionalizando, liberando a venda, por exemplo, junto ao produtor, vai baratear custos.

E refino? Refino já tem que ser um outro estudo aí para a gente chegar à conclusão do que é importante.

Não é tão claro para o senhor que teria que privatizar essa área? Não, não é tão claro. Para mim, não é tão claro.

Tem muita visão nacionalista, aquele nacionalismo arcaico. Nos EUA, na Inglaterra, todo mundo refina. Eu acho que essa não é a questão principal da Petrobras. Ela não ficou ineficiente por ser uma estatal. Foi porque o governo colocou gente lá dentro com outros objetivos. Se gerenciada de forma profissional, ela dará lucro, como vem dando ao longo do tempo.

Há uma demanda de alguns setores da sociedade pela revisão da Lei da Anistia e questionamentos internacionais de que ela não alcança crimes contra a humanidade, como a tortura. É algo para se dialogar? Esqueceram como ela ocorreu. Vamos lembrar que determinados setores da esquerda não queriam a amplitude em relação a eles mesmos. Ela foi ampla, geral e irrestrita, algo concertado com a sociedade em 1979.

A Argentina puniu militares, o Chile puniu, só o Brasil que não puniu. O Brasil puniu quem tinha que ser punido e acabou. E tem muita gente que está solta aí [de esquerda] que foi anistiada e que matou gente. Quem não quer pacificar esse assunto não compreendeu a história do país. Está com a lanterna na popa.

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