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Governo Bolsonaro

Relação de Bolsonaro e Trump com Jerusalém passa por apoio evangélico

O Brasil de 2018 tem um componente similar aos EUA de 2016: o peso do voto do segmento

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

Mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi uma das várias promessas de campanha que aproximaram os candidatos Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Pois o Brasil de 2018 tem um componente eleitoral bem similar aos Estados Unidos de 2016: o despertar definitivo para a importância do voto evangélico. 

Tanto lá quanto cá, avalia-se que o peso do segmento nas urnas foi fundamental para garantir as vitórias do capitão reformado do Exército e do empresário e apresentador de TV.

Bandeiras de Israel e Brasil erguidas perto da embaixada brasileira em Israel
Bandeiras de Israel e Brasil erguidas perto da embaixada brasileira em Israel - Jack Guez/AFP

Vamos lá: sete em cada dez evangélicos respaldaram Bolsonaro no segundo turno, segundo projeção do Datafolha. Isso representa cerca de 22 milhões de eleitores.

O candidato do PSL venceu Fernando Haddad por cerca de 10,7 milhões de votos. Num cenário em que fiéis de todas as outras religiões fossem às urnas, menos os evangélicos, o petista ganharia por pouco menos de um milhão de votos.   

E nos EUA? Há dois anos, Trump teve apoio ainda mais expressivo da fatia evangélica branca de seu país: 81%.

Em 2013, 82% desse bloco aderia à ideia de que Deus cedeu Israel ao povo judaico, segundo pesquisa do Pew Research Center. O percentual de judeus americanos na mesma sintonia: 40%. 

Mas o que evangélicos têm a ver com Israel, onde parlamentares aprovaram em julho um projeto de lei que define o país como um "Estado-nação do povo judeu" (sob protesto da minoria árabe)? 

Afinal, a comunidade judaica não acredita no pilar máximo do cristianismo, que é tomar Jesus Cristo como seu messias. O que explicaria, então, essa conexão entre evangélicos e o Estado israelense? 

O pastor Valdinei Ferreira, líder da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo e doutor em sociologia pela USP, dá o panorama histórico: "Durante muitos séculos, os protestantes não se importaram muito com Jerusalém. Sob o domínio dos britânicos, o interesse ainda era insignificante. Jerusalém sempre teve mais importância simbólica para judeus, católicos e muçulmanos".

O que mudou: o advento da "teologia fundamentalista norte-americana, desenvolvida a partir dos anos 1930, que passou a interpretar de modo literal profecias de uma futura restauração de Jerusalém". 

Tudo isso ganhou fôlego após a criação do Estado de Israel, em 1948, três anos após o fim da Segunda Guerra, que dizimou milhões de judeus no Holocausto.

"Esses protestantes viram aí o cumprimento de profecias que anunciavam a proximidade da volta de Cristo", diz o pastor Ferreira. "Pentecostais e neopentecostais embarcaram mais tarde nessa história, mas, como são muito apegados à simbologia do Antigo Testamento, isso passou a ter um papel muito grande no imaginário deles."

Líderes evangélicos costumam citar o salmo 122 e sua ordem, "orai pela paz de Jerusalém", para justificar esse interesse especial pelos destinos de Jerusalém como capital de Israel, status não reconhecido pela maioria absoluta dos países. Trump anunciou em fevereiro a mudança da embaixada do país sob sua guarda para a cidade, decisão seguida apenas pela Guatemala.

A bancada evangélica do Congresso brasileiro, parceira na candidatura bolsonarista, já deu várias amostras de simpatia à proposta.

Israel tem um apelo tão grande no segmento que a Latam anunciou um voo direto para o país, rota que será inaugurada em dezembro —tudo de olho no aumento do turismo evangélico por lá

No primeiro semestre, por exemplo, uma caravana de 13 dias e três países cruciais para a doutrina cristã (Israel, Dubai e Jordânia), com presença de Malafaia, saía a custo mínimo de R$ 20,5 mil mais taxas de R$ 999.

Vale lembrar que várias igrejas evangélicas, da Igreja Universal à Renascer em Cristo, incorporam elementos tipicamente judaicos. 

A denominação do bispo Edir Macedo chegou a erguer sua própria réplica do Templo de Salomão, do filho de Davi (o maior rei de Israel) com Bate-Seba, conforme a narrativa bíblica.

Macedo inaugurou a construção vestindo trajes típicos do rabinato: quipá, talit (o xale de orações) e uma farta barba branca, tal qual um profeta.

No mesmo ano, em entrevista à Federação Israelita do Rio de Janeiro, o pastor Silas Malafaia deu seu pitaco: "Para nós, o Deus de Israel é o nosso Deus. Não tem nenhuma absolutíssima diferença".

Zela a Bíblia que Jerusalém é terra sagrada para as três maiores religiões monoteístas do planeta: judaísmo, cristianismo e islamismo. 

Para cristãos, Jesus (que era judeu, como seus apóstolos) veio à Terra para redimir a nação eleita por Deus. Seguidores da Torá, portanto, seriam os herdeiros de direito da nação escolhida. 

Não é de estranhar que evangélicos tenham apoiado o movimento sionista desde a criação de Israel, em 1948, à guerra com vizinhos árabes em 1967, como destaca o livro de 2013 "An Unusual Relationship" (uma relação incomum).

Há uma agenda comum entre os dois povos que incentiva a "quase surreal circunstância" de cristãos oferecendo ajuda financeira para judeus (alguns deles ultraortodoxos) interessados em reerguer o Templo de Salomão —o que Edir Macedo acabou fazendo no Brasil.

Quando Trump oficializou a transferência do corpo diplomático para Jerusalém, procurei o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, para debater a mesma questão.

Ele mencionou "uma conexão profunda com a Terra de Israel" para justificar por que "evangélicos reconhecem a legitimidade da soberania israelense sobre a terra prometida por Deus, e isso faz com que possa existir uma agenda comum".

O movimento de Trump foi tachado de imprudente por líderes estrangeiros e desaconselhado mesmo por seus conselheiros, que se preocupavam com retaliações a alvos americanos no exterior, sobretudo tropas e diplomatas.

Mas Trump, bom, Trump é Trump. Líder da maior potência mundial, ele deu de ombros e foi adiante com a promessa eleitoral. 

Há anos Bolsonaro tem um caso de amor com Israel. É católico, mas chegou a ser batizado nas águas do israelense rio Jordão (onde diz a Bíblia que Jesus teria feito o mesmo). A imersão foi feita pelo Pastor Everaldo, presidente da sua morada partidária à época, o Partido Social Cristão, durante uma viagem ao país que selou a aproximação do já pré-candidato à Presidência do Brasil com o naco evangélico do eleitorado.

Só que, ao contrário do americano que tanto o inspira, o presidente eleito do Brasil pode não ter tanta musculatura política para queimar. Ele garantiu, logo depois de eleito, que faria de Jerusalém a sede da diplomacia verde-amarela, mas nesta semana voltou atrás e disse que a mudança "não está decidida".

A retaliação começou pelo Egito, que cancelou uma missão oficial brasileira, ato um tanto incomum no protocolo da diplomacia, após as declarações de Bolsonaro.

Os países árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira, e um boicote do grupo será indigesta para outra bancada próxima a Bolsonaro. Na chamada frente BBB (Boi, Bíblia e Bala) do Congresso Nacional, os ruralistas podem levar a melhor sobre os colegas evangélicos. 

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