Sarney foi ofuscado por 'governo paralelo' de Collor durante transição

Local de trabalho de Collor antes da posse era badalado e conhecido como 'Bolo de Noiva'

O presidente empossado Fernando Collor de Mello, ao lado do ex-presidente José Sarney, em Brasília
O presidente empossado Fernando Collor de Mello, ao lado do ex-presidente José Sarney, em Brasília - Lula Marques - 28.set.1990/Folhapress
São Paulo

Depois da sua eleição, em 17 de dezembro de 1989, Fernando Collor viveu um período agitado de cerca de três meses até a sua posse como presidente da República.

No começo da transição de governo, ele procurou evitar uma aproximação com o então presidente José Sarney.

Outro destaque foi que o edifício conhecido como “Bolo de Noiva”, onde se instalou para trabalhar, passou a ser muito badalado em Brasília.

Em meio à preparação para seu novo governo, ele ainda realizou uma viagem a vários países, encontrando-se com líderes como a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o presidente americano George Bush.

Às vésperas da sua posse, Collor fez com que o governo decretasse três dias de feriado bancário à espera de seu novo pacote econômico.

Relação Collor e Sarney

Desde o final do primeiro turno, José Sarney já vinha fornecendo dados sobre a administração aos candidatos. Porém os assessores de Collor, particularmente Zélia Cardoso de Mello, evitaram conversas com o governo.

Quando venceu a eleição, a equipe do presidente eleito divulgou que a intenção era adotar medidas moralizadoras nos primeiros dias do mandato e que pretendiam criar a operação “pega ladrão” para investigar os atos de Sarney.

O então presidente respondeu que nada seria encontrado de irregular e que isso poderia desmoralizar o seu sucessor.

Apesar dessa troca de farpas, o governo Sarney sinalizou que queria realizar uma transição tranquila.

O ministro-chefe do Gabinete Civil, Luís Roberto Ponte, propôs aumentar o diálogo e a aproximação. Sarney estaria disposto inclusive a implementar as sugestões que Collor fizesse.

O seu sucessor, porém, rejeitou qualquer possibilidade de formação de uma espécie de governo de coalização durante a transição. “A responsabilidade do governo eleito se inicia em 15 de março”, afirmou.

O líder do PRN na Câmara de Deputados, Renan Calheiros, também foi duro. “Se o presidente Sarney não tem competência para governar, que renuncie. O que ele não pode fazer é transferir a responsabilidade do seu governo para Collor”, declarou.

As reuniões entre as equipes de transição começaram no dia 10 de janeiro de 1990. A administração Sarney prometeu passar tudo o que era permitido por lei, em clima de tranquilidade.

“Bolo de Noiva”

A equipe de transição de Collor ficou instalada em um edifício no anexo 2 do Palácio do Itamaraty.

O prédio passou ser conhecido como “Bolo de Noiva” pelo formato arredondado e por causa dos pavimentos construídos com diâmetros diferentes (vão diminuindo à medida que sobem os andares), formando degraus como as camadas de um bolo. O local foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

O gabinete destinado ao presidente eleito era luxuoso, com tapetes persas e obras de arte.

Já no primeiro mês de trabalho, o local ficou pequeno para tanto movimento de técnicos, políticos e visitantes que passavam por lá. Com isso, membros da equipe de transição passaram também a ocupar o prédio do anexo 1.

Tudo isso fez com que o “Bolo de Noiva” ofuscasse o Palácio do Planalto, com o anexo 2 do Itamaraty ostentando status de sede de um “governo paralelo” ao do Sarney.

Em sua sala, Collor recebia políticos e técnicos com frequência parecida ao de um presidente em exercício. A sala de espera foi apelidada de “esperódromo”, pois subiam ao andar do seu gabinete um número de pessoas maior do que a capacidade da agenda do presidente eleito.

Participação no governo

Collor, que inicialmente havia resistido à ideia de se encontrar com Sarney, cedeu ao ouvir amigos mais fiéis e a sua própria mãe, Leda. No dia 2 de março, Collor e Sarney participaram de uma reunião no Palácio do Planalto por uma hora e 23 minutos. Eles ficaram a sós, a pedido do eleito, na parte final do encontro, por cerca de 30 minutos.

Posse do presidente Fernando Collor de Mello, ao lado da primeira-dama Rosane
Posse do presidente Fernando Collor de Mello, ao lado da primeira-dama Rosane - Roberto Jayme - 15.mar.1990/Folhapress

Nos últimos dias de governo, Collor fez um acordo com Sarney para que já fosse enviada ao Senado uma mensagem indicando Ibrahim Eris para a presidência do Banco Central e outros três nomes para ocuparem cargos de diretores.

A maior surpresa veio às vésperas da saída de Sarney do governo, com o presidente eleito já colocando em marcha seu plano para combater a inflação: foi decretado feriado bancário nos dias 14, 15 (data da posse) e 16 março.

Essa medida havia sido acertada entre e Collor Sarney no encontro que tiveram no Palácio do Planalto. A economista Zélia Cardoso de Mello, que estava indicada para ser ministra da Economia, disse que a medida foi tomada para preservar a estabilidade do mercado.

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