Intelectuais e artistas fazem ato em defesa da democracia nos 50 anos do AI-5

Evento teve críticas à 'cultura do extermínio' e também ao presidente eleito, Jair Bolsonaro

Joelmir Tavares
São Paulo

Intelectuais, artistas e ativistas de diferentes áreas fizeram nesta quinta-feira (13), dia que marca os 50 anos da edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5), um ato para lançar um manifesto em defesa da democracia.

O AI-5, decretado pelo governo do marechal Costa e Silva, foi o mais radical do regime militar. Teve como resultado intensificação da repressão, com mortes e desaparecimentos, cassações e suspensão de direitos políticos.

Manifestação em defesa da democracia no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, na data em que se completam 50 anos da edição do AI-5, o mais radical do regime militar
Manifestação em defesa da democracia no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, na data em que se completam 50 anos da edição do AI-5, o mais radical do regime militar - Eduardo Anizelli/ Folhapress

O evento, na Faculdade de Direito da USP, foi organizado pelo centro acadêmico da instituição e pelo grupo Juntos pela Democracia, que reuniu mais de 7.200 assinaturas virtuais em um documento pela defesa dos pilares democráticos.

O encontro começou com um minuto de silêncio em homenagem a Eunice Paiva, viúva do deputado federal Rubens Paiva, morta nesta quinta (13); à vereadora Marielle Franco; aos dois sem-terra assassinados na Paraíba no fim de semana; aos mortos e desaparecidos na ditadura militar; e aos negros e negras assassinados nas periferias do país.

Nos discursos, se repetiram falas críticas ao que foi chamado de “cultura do extermínio” no Brasil e a gestos do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), como suas homenagens ao coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), símbolo da repressão na ditadura.

Para o advogado José Carlos Dias, “o AI-5 não pode se repetir”.

“Nós temos que estar atentos às ameaças que pairam sobre nossa pátria. O risco que nós sofremos hoje é o de termos a ditadura pelo voto”, afirmou ele, que foi membro da Comissão Nacional da Verdade.

“O governo que está para assumir [de Jair Bolsonaro] colocará em jogo não só as conquistas da democracia, mas a Constituição de 1988”, disse no microfone João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), conclamando os presentes a lutar também pela liberdade do ex-presidente Lula (PT).

“É um projeto político, desse ‘coiso’ eleito [Bolsonaro], de tirar direitos”, disse a psicanalista Maria Rita Kehl, que também integrou a Comissão Nacional da Verdade.

Cartazes espalhados pelas paredes do salão nobre da faculdade do largo São Francisco destacavam trechos da Constituição, como a premissa de uma sociedade pluralista e sem preconceitos e a proibição da censura política, ideológica e artística.

​“Os negros nunca experimentaram o fim do AI-5. Nem as mulheres que sofrem violência diariamente”, afirmou o pastor Ariovaldo Ramos, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que é negro.

“O essencial é a manutenção dos valores democráticos”, disse no ato o ex-ministro Celso Amorim, um dos signatários do documento. “A gente tem que manter a esperança. E é importante que as forças democráticas estejam juntas.”

A artista Daniela Thomas, outra participante, afirmou que é preciso que todos estejam “atentos aos sinais de retrocesso”.

“Os governantes que vão entrar precisam saber que existe uma resistência dentro da sociedade, e que não é ligada a partidos políticos”, falou a diretora.

Entre os que compareceram ao local estavam também a professora Ana Estela Haddad, mulher do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o vereador Eduardo Suplicy (PT), o deputado federal Ivan Valente (PSOL) e o escritor Fernando Morais.

Entre os que assinaram o manifesto estão ainda: o músico Chico Buarque, o professor emérito da USP Fábio Konder Comparato, os ex-ministros Rubens Ricupero e José Gregori e a historiadora Lilia Schwarcz.

Para o movimento, o AI-5 "marcou o estabelecimento de um regime de terror de Estado".

O texto pede a manutenção dos princípios da Constituição Federal de 1988, a República e o Estado democrático de Direito.

"A garantia das liberdades, dos direitos humanos individuais e sociais, do livre exercício da cidadania nos une, para além de eventuais diferenças e nuances ideológicas ou político-partidárias", diz o manifesto.

É ressaltado também o "compromisso com a pluralidade e a diversidade cultural, de crenças e de comportamento da sociedade brasileira".

Os subscreventes conclamam ainda "os democratas a se unirem para manter as liberdades duramente conquistadas ao longo das últimas três décadas".

Segundo os organizadores, ministros de todos os governos democráticos, de José Sarney (1985-1990) a Dilma Rousseff (2011-2016), estão entre os que aderiram à iniciativa. Na lista há ainda líderes religiosos, cientistas, juristas, professores, jornalistas e profissionais de outras áreas.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.