"É uma condição de paz social que eu confira ao outro a possibilidade de me ofender. [...] O direito à tolerância é avô do direito à liberdade de expressão", disse Oscar Vilhena, professor e diretor de direito da FGV-SP e colunista da Folha.
A ideia foi exposta no Primeiro Congresso Internacional de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, evento em homenagem aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos realizado nesta sexta-feira (7).
A visão de que o direito à liberdade de expressão vai de encontro a outros direitos fundamentais, mas tem prevalência sobre eles foi partilhada pelos demais expositores —Miguel Matos, membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, e Taís Borja Gasparian, vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP e advogada da Folha. A mesa foi presidida por Walter Vieira Ceneviva, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP.
Segundo Vilhena, o direito à liberdade de expressão prevalece por cumprir três funções, a de proporcionador da paz social, a de possibilitar que críticas sejam feitas e a partir delas a sociedade evolua, e a de ser pedra fundamental da democracia, pois subsidia o direito à escolha.
Gasparian afirmou que tem sido mais difícil explicar a importância do direito à liberdade de expressão, pois as pessoas o analisam do ponto de vista particular, ou seja, ponderam que não querem ser alvos de críticas ou notícias negativas.
Vilhena concordou: "O direito à liberdade de imprensa como exercício do egoísmo é passível de restrição. Mas o jornalista, quando escreve uma notícia, transcende o interesse de receber um salário no fim do mês. Aquilo é objeto de interesse das pessoas, ele cumpre uma função pública, está protegendo a coletividade, mesmo que erre e, para isso, há mecanismos de contenção".
A grande questão —não resolvida no Brasil pela jurisprudência— é quais são os limites da liberdade de expressão. "O Judiciário, com exceção do STF (Supremo Tribunal Federal), que tem tomado decisões a favor, não foi capaz de fazer essas distinções e entender essa prevalência. O advogado que lida com liberdade de expressão é por natureza alguém que enfrenta dilemas filosóficos todos os dias", disse Vilhena.
Os palestrantes veem o Judiciário como uma ameaça à liberdade de expressão. "Nessa colisão de direitos, há uma certa interferência às vezes do Judiciário agindo numa clara censura judicial. Em alguns caso até antes de ser publicado alguma coisa", completou Matos, que também edita o portal Migalhas.
Um exemplo mencionado pelos palestrantes é o direito ao esquecimento, cujo precedente é um caso europeu em que a Justiça autorizou que uma notícia sobre uma pessoa não constasse em buscas na internet. Matos disse que, nos últimos meses, o Migalhas já recebeu cerca de 15 avisos do Google de notícias que foram excluídas das buscas por decisão judicial. "São reportagens verídicas", protestou.
"Aqui isso tem sido usado para tirar todas as informações das pessoas. Estou temeroso [em relação à decisão do STF sobre o tema]. Estou entendendo que vai acontecer uma decisão salomônica no sentido de que os veículos de imprensa teriam que atualizar as matérias, o que me parece um absurdo, porque vamos viver nessa função", disse Matos.
Além do direito ao esquecimento, Gasparian listou outros modos atuais de fazer calar um jornalista ou de acuá-lo, como a combinação entre a ausência de teto para valores de indenização, a possibilidade de processar o jornalista como pessoa física e não seu veículo, e o prazo de três anos para ajuizar uma ação a respeito de uma reportagem. A advogada citou o caso de Elvira Lobato, então repórter da Folha alvo de 111 processos por uma reportagem crítica à Igreja Universal.
SOB ATAQUE
Trazendo a discussão para a atualidade, Marcos da Costa, presidente da OAB-SP, afirmou que a palavra que mais define o momento atual é intolerância. "Jornalistas e advogados vivem exatamente do oposto, por isso são profissões que sofrem ataques."
Vilhena afirmou que a Constituição Federal, que completa 30 anos, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com 70, aniversariam sob ataque.
"Nos últimos anos, a Declaração tem sido tomada com grande hostilidade. A crise econômica, um certo desencantamento com as instituições do liberalismo democrático, o ressurgimento do nacionalismo abriram espaço para vozes absolutamente descompromissadas com os direitos, quando não adversas a eles", disse.
"E o Brasil é um país onde essas vozes chegaram ao poder, chegaram com um discurso, fazendo uso da liberdade de expressão com o objetivo de privar outros do exercício do direito", completou o professor, sem mencionar diretamente a eleição de Jair Bolsonaro (PSL).
Para Vilhena, em janeiro, tem início um período conturbado em que haverá a tentação de suprimir a liberdade de expressão em detrimento de outros valores. "Se nós nos deixarmos levar por essa tentação, sem dúvida nenhuma, aquele que tiver o poder de censurar não irá censurar os que têm poder. Irá censurar os mais vulneráveis."
Sobre fake news, os palestrantes concordaram que houve influência nas eleições, mas não se sabe a intensidade disso. Concordaram que elas não devem ser censuradas, mas regulamentadas e desconstruídas. "O uso que se faz das fake news, quando Donald Trump, presidente dos EUA, diz que o The New York Times é fake news é uma ameaça à liberdade de expressão", disse Gasparian.
LEWANDOWSKI NO AVIÃO
Vilhena foi provocado pelo colega a comentar o episódio desta semana em que o advogado Cristiano Caiado de Acioli foi levado pela Polícia Federal a prestar depoimento depois de dizer ao ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em um voo, que tinha vergonha do Supremo.
Segundo Vilhena, o que Acioli fez foi "tudo errado", "uma grosseria", "uma barbeiragem", por ter interpelado o ministro quando ele não estava exercendo suas funções. Ainda assim, diz, "ele tem direito a ter vergonha do STF, tem direito de dizer e não pode ser preso por isso".
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