Movimento integralista resiste e vê bom momento para difusão de suas ideias

Atuais líderes mantêm vínculo com o PRTB, partido do vice de Bolsonaro, e negam o rótulo de fascistas

Marco Rodrigo Almeida
São Paulo

Criado há oito décadas, e dado como morto incontáveis vezes, o movimento integralista brasileiro segue vivo. A fase áurea ficou perdida no passado, mas os atuais líderes renovam seus membros, mantêm boas relações com políticos e consideram o cenário propício para a difusão de suas ideias.

Hoje o principal núcleo do movimento é a Frente Integralista Brasileira (FIB). Fundada em 2005, possui fortes vínculos com o PRTB, partido do general Hamilton Mourão, vice de Jair Bolsonaro.

O integralismo nasceu no Brasil em outubro de 1932, quando Plínio Salgado (1895-1975) —político, jornalista e escritor— fundou a Ação Integralista Brasileira (AIB). 

Victor Barbuy (em pé) e Gumercindo Rocha Dorea, respectivamente presidente e vice da Frente Integralista Brasileira, em São Paulo 
Victor Barbuy (em pé) e Gumercindo Rocha Dorea, respectivamente presidente e vice da Frente Integralista Brasileira, em São Paulo  - Rafael Hupsel/ Folhapress

Pioneiro no estudo do tema, o professor Hélgio Trindade,  da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , diz que a AIB foi a primeira organização de massa do Brasil. Nos anos 1930 falava-se em 1 milhão de militantes.

Pesquisadores definem o integralismo como um movimento de inspiração fascista, caracterizado por um nacionalismo autoritário, pela defesa de valores religiosos e tradicionais e pela rejeição do modelo de democracia liberal. As ideias são resumidas no lema “Deus, Pátria, Família”.

A AIB,  assim como outros partidos ou grupos políticos, foi extinta em 1937, na instauração do Estado Novo de Getúlio Vargas. O segundo grande golpe veio com a morte de Plínio Salgado. Nas décadas seguintes seus seguidores tentaram preservar a doutrina por meio de várias iniciativas, todas de curto fôlego pela falta de continuidade ou aderência expressiva.

Restam hoje alguns núcleos espalhados pelo país, sendo a FIB o mais articulado deles.

Na semana passada, o presidente da grupo, Victor Emanuel Vilela Barbuy, conversou com a Folha em um café no centro de São Paulo. Estava acompanhado de um integrante, Fernando Zanardo, estudante de direito de 18 anos.

Barbuy é advogado, mestre em direito pela USP com tese sobre as ideias jurídicas do escritor José de Alencar. Tem 33 anos, mas a fala pausada, a linguagem formal, a calvície precoce e a expressão austera o fazem parecer mais velho. Incorpora à perfeição o tradicionalismo estimado pelo grupo.

Plínio Salgado, político, escritor brasileiro e fundador da Ação Integralista Brasileira, movimento político de orientação fascista, em 1951
Plínio Salgado, político, escritor brasileiro e fundador da Ação Integralista Brasileira, movimento político de orientação fascista, em 1951 - Pirozzelli/Folhapress

Barbuy aderiu ao integralismo aos 15 anos, quando leu as memórias de Miguel Reale (1910-2006) —jurista, ex-reitor da USP e um dos ideólogos do movimento nos anos 1930, ao lado de Plínio Salgado e Gustavo Barroso (1888-1959). Atraído pelos princípios em defesa da família, da religião e da nação, mergulhou nos estudos sobre o tema.

A FIB, segundo ele, tem 8.000 filiados pelo país. Propõe uma interpretação fiel dos princípios originais do integralismo, definidos por Salgado em manifesto de 1932.

“Somos um movimento inspirado nos ensinamentos do Evangelho, na doutrina social da Igreja Católica. Defendemos os valores consubstanciados na tríade Deus, Pátria, Família. Pugnamos pela democracia orgânica, pela justiça social”, diz Barbuy.  

Ele explica que o principal objetivo do grupo é formar uma escola de cultura e civismo no país, nos moldes do que foi a antiga Ação Integralista Brasileira. Na década de 30, fizeram parte do grupo alguns dos principais intelectuais brasileiros do século 20: além de Salgado (participante da Semana de Arte Moderna de 22), Reale e Barroso, havia também, com graus variados de envolvimento, o antropólogo Câmara Cascudo, o político e advogado San Tiago Dantas, e os escritores Augusto Schmidt e Vinicius de Moraes.

O vice-presidente da FIB é outra figura lendária no meio cultural —o editor Gumercindo Rocha Dorea, 95, primeiro a publicar Rubem Fonseca. “O integralismo é um pensamento político, social e filosófico muito profundo. Por minha idade, estou mais limitado hoje, mas os jovens têm uma dedicação extraordinária”, contou, por telefone, à Folha.

Uma tarefa a que Barbuy se dedica com empenho é combater o que chama de equívocos dos pesquisadores. “O integralismo nunca foi xenófobo. Distancia-se do fascismo italiano por ser contrário ao Estado totalitário. E do nazismo se distancia ainda mais, por ser contrário ao racismo. Muitos negros pertenceram ao movimento, como João Cândido, líder da Revolta da Chibata.”

Um estorno a essa argumentação é a postura de Gustavo Barroso em relação aos judeus. No livro “Integralismo - O Fascismo Brasileiro na Década de 30” (1974), o professor Hélgio Trindade diz que Barroso se inseria “numa atitude antissemita radical”. “Com exceção do conjunto de conferências publicadas em 1933, todos os seus livros posteriores estão impregnados de antissemitismo”, escreveu o professor.

"É inegável que ele cometeu alguns exageros, que eram comuns na época”, diz hoje o presidente da FIB. “Mas essas críticas não eram um princípio básico do integralismo. Tanto que o manifesto de 32 não faz nenhuma referência a isso”. 

No manifesto que lançou as bases do movimento, Plínio Salgado via como inviáveis os partidos políticos e o sufrágio universal. Barbuy afirma que a extinção de ambos não seria possível no contexto atual, mas considera válidas as críticas à democracia liberal.

Os integralistas propõem o que chamam de democracia orgânica, regime em que as pessoas serão representadas pelos grupos naturais a que pertencem, como paróquias, sindicatos e corporações.  Nesse modelo, cada brasileiro se inscreverá em sua classe, a quem caberá eleger os representantes. Os eleitos para o Congresso Nacional, por exemplo, escolheriam o chefe da nação.

“Não entendemos que a supressão dos partidos seja o fim da democracia. E no modelo de democracia liberal não há representação do povo.”

À parte isso, o site da FIB informa que o integralismo “pretende chegar ao poder por vias legais, ou seja, respeitando as leis e o regime vigente, descartando qualquer hipótese golpe ”.

Filiado ao PRTB, Barbuy gravou vídeos em apoio a candidatos do partido na eleição deste ano: Levy Fidelix, presidente da sigla, concorria a deputado federal; Rodrigo Tavares, a governador de São Paulo. Ambos não foram eleitos.

Nas suas aparições no horário eleitoral na TV, Fidelix citava o lema integralista “Deus, Pátria, Família”. Em áudio divulgado pela FIB, comenta sua afinidade com o movimento.

 Em outra gravação Tavares aparece ao lado de Barbuy, saúda a FIB como grande parceira do PRTB e encerra sua fala com a palavra “anauê”, saudação integralista de origem tupi que significa algo como “você é meu irmão”.

À Folha, Tavares diz que a FIB é um movimento legítimo, que busca nos princípios de Plínio Salgado maneira de construir uma sociedade mais saudável

“O PRTB é um partido conservador nos costumes. Isso é o que mais nos aproxima a eles: a defesa da tradição, dos valores éticos e morais, da meritocracia e da família.”

Barbuy conta que já esteve em duas ocasiões com general Mourão. “Temos algum contato,  mas não o mesmo que tenho com Levy. Mourão compartilha algumas de nossas ideias, mas em outros pontos tem posições mais liberais.”

Pesquisadores tendem a situar o integralismo no campo político da extrema direita, o que Barbuy considera outro grave erro. Ele explica que o movimento não é de direita, nem de esquerda e nem de centro. Tais conceitos, diz, estão ultrapassados, referem-se a ideias essencialmente materialistas e internacionalistas, enquanto o integralismo seria o oposto, espiritualista e nacionalista.

“Temos posições que alguns consideram de esquerda; outros, de direita”, argumenta. Por um lado, defendem a reforma agrária, os direitos dos trabalhadores. Por outro, no campo dos costumes, estariam mais próximos dos conservadores. “A defesa do direito à propriedade é fundamental, mas somos diferentes da direita liberal. Somos contra o capitalismo, entendido como o sistema que coloca o capital acima de tudo, acima do bem social."

No segundo turno da eleição presidencial a FIB declarou apoio a Jair Bolsonaro (PSL). Uma semana antes do pleito, Barbuy bradou, do alto de um carro de som na av. Paulista, que era hora de dar “um sonoro e vibrante 'não' ao PT", partido "que institucionalizou a corrupção e tem combatido com todas as suas forças para destruir as tradições cristãs da nossa Terra de Santa Cruz e nela implantar um modelo semelhante ao da Venezuela de Chávez e Maduro!”.

Odilon Caldeira Neto, que estuda grupos de direita radical em seu pós-doutorado, aponta que Bolsonaro e o integralismo são ambos expressões de um campo nacionalista autoritário brasileiro. “Isso não significa que Bolsonaro fará gestão integralista. Há uma base comum ultraconservadora, mas existem também muitas diferenças, como o ultraliberalismo na economia do futuro governo. Outras forças também estarão em disputa."

Barbuy vê muitas semelhanças entre seu grupo e Bolsonaro, embora diga que o presidente eleito não seja um integralista. “Suponho até que nem conheça o movimento.” “De toda forma, ele tem condições de fazer um bom governo. Especialmente se se afastar das propostas econômicas de Paulo Guedes e voltar a sustentar plenamente as posições nacionalistas que defendia no passado .”

O historiador Leandro Pereira Gonçalves —autor de recente biografia do pai do integralismo, “Plínio Salgado” (FGV Editora)—, comenta que o país passa por um momento de reorganização das ideias conservadoras e autoritárias, em que grupos como a FIB serão beneficiados.

“O integralismo deve continuar pequeno, mas sua voz ecoará mais. Parte relevante da agenda do país será congruente a ele.”

Em outubro do ano passado, alunos da USP expulsaram Barbuy de um congresso de filologia na universidade. O grupo que o cercou, do interior do prédio a um ponto de ônibus, gritava "fascistas não passarão" e "lugar de fascista é na ponta do fuzil."  Barbuy diz que um simpatizante integralista,  hoje presidente do núcleo estadual da FIB de São Paulo, foi agredido e teve o nariz quebrado.

Um ano depois, ele acredita que o movimento será visto de maneira mais favorável. “O contexto é bastante propício ao integralismo. E mesmo muitos que não compartilham totalmente de nossas ideias têm a tendência de admirá-las. Mesmo pessoas mais à esquerda reconhecem nossos valores.”

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