Operador de Cabral aponta 19 corruptores ainda não denunciados

Delação de Carlos Miranda ajudou a embasar prisão de Pezão e cita dezenas de políticos, como Aécio Neves

Italo Nogueira
Rio de Janeiro

Descrito pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB) como um “amarra-cachorro”, “chato” e “sem graça”, o economista Carlos Miranda de fato é monótono em seus depoimentos. Com o mesmo tom de voz, relata o vaivém da propina do ex-chefe nas últimas três décadas em ritmo relatorial.

Ainda que sem emoção, a delação do gerente da propina de Cabral promete deixar apreensivos dezenas de políticos e empresários por algum tempo.

Os 81 anexos iniciais da delação de Miranda, homologada há um ano, descrevem 19 fontes de propina que ainda não foram objetos de denúncia contra o ex-governador.  Há também sete ex-secretários de Cabral na mira, além dos cinco já presos —e outros dois da gestão Luiz Fernando Pezão (MDB) também detidos.

Cabral é acusado de pedir 5% de propina sobre grandes contratos do estado. Por esse motivo, já foi alvo de 26 denúncias que descrevem 14 fontes de propina. A delação de Miranda indica que a defesa do emedebista ainda terá muito trabalho pela frente.

São mencionadas na delação dez empreiteiras que ainda não foram tema de acusação formal a Cabral, como a Delta Construções. O dono da firma, Fernando Cavendish, já confessou ter pago propina ao ex-governador. A lista inclui também fornecedores de viaturas para a Polícia Militar e do setor de saúde.

Carlos Miranda, apontado pela Operação Lava Jato como gerente da organização criminosa, detalhou valores de em oitiva do seu processo.
Carlos Miranda, apontado pela Operação Lava Jato como gerente da organização criminosa liderada por Sérgio Cabral - Reprodução

A delação de Carlos Miranda foi uma das bases da prisão de Pezão na última quinta-feira (29). Segundo o economista, o governador afastado era uma das mais de 60 pessoas que recebiam mesada de Cabral, cujos valores variavam de R$ 500 a R$ 150 mil.

O alvo principal da semana passada recebia o maior valor. O economista também ofereceu uma longa lista de políticos ajudados por Cabral com caixa dois de campanha eleitoral. A relação inclui desde o senador Aécio Neves (PSDB-MG) até políticos locais sem mandato.

Segundo Miranda, o tucano pediu ajuda financeira a Cabral na campanha presidencial de 2014, em que enfrentou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O ex-governador pediu que um empresário de ônibus repassasse R$ 1,5 milhão ao então candidato do PSDB. O senador afirma que “desconhece os fatos citados e considera falsas e irresponsáveis as acusações feitas pelo delator”.

Outro personagem conhecido nacionalmente é o ex-secretário de Segurança José Mariano Beltrame, que chefiou a pasta no Rio de 2007 a 2014, nos governos de Sérgio Cabral como de Pezão.

Beltrame é apontado como beneficiário de uma mesada de R$ 30 mil. O delegado federal nega a acusação e disponibilizou seu sigilo bancário para a Justiça.

O núcleo principal da organização criminosa, contudo, já foi alvo das operações. O grande desafio da delação de Miranda é a corroboração de seu relato. No dia em que foi preso, em novembro de 2016, ele jogou o computador em que mantinha sua planilha de pagamentos num lago de sua fazenda no interior do estado.

O Ministério Público estadual recuperou o equipamento no fundo das águas, com ajuda do Corpo de Bombeiros. Mas os dados do HD não puderam ser acessados, mesmo com a ajuda do FBI. Ainda assim, arquivos e planilhas entregues por outros delatores têm corroborado grande parte do relato do economista, que deixou a cadeia no início de novembro, após dois anos preso e pagará uma multa de R$ 5 milhões.

Miranda estudou na mesma escola em que Cabral cursou o ensino médio. Era mais próximo do irmão do ex-governador, o publicitário Maurício Cabral. Contudo, acompanhou a carreira política do emedebista desde a primeira eleição a deputado estadual, em 1990.

Ele relatou à Procuradoria-Geral da República que era uma espécie de contador e portador da propina do emedebista. Deixou de circular com o dinheiro quando teve o nome citado na imprensa em razão da Operação Castelo de Areia, em 2010. Delegou a tarefa a outro amigo de infância, mas permaneceu na gerência da quadrilha.

Sérgio Cabral costuma minimizar a atuação de Miranda a seu favor.  O ex-governador do Rio afirma que o delator cuidava de suas finanças pessoais, bem como organizava o caixa dois de suas campanhas. O emedebista nega que pedisse propina, mas reconhece ter feito uso pessoal de sobra de recursos eleitorais ilegais.
 

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