Pagamentos provados a Pezão como governador se concentram na campanha eleitoral

Maior parte das entregas ocorreu entre junho e outubro de 2014; ex-secretário confessou ter feito uso pessoal de valores pagos fora da disputa

Italo Nogueira
Rio de Janeiro

A maior parte dos pagamentos comprovados ao grupo do governador afastado Luiz Fernando Pezão (MDB), após o emedebista assumir o Palácio Guanabara, ocorreram durante a campanha eleitoral de 2014.

Em relação ao restante do valor, pago em 2015, o ex-secretário de Obras Hudson Braga confessou ter feito uso pessoal de sobras de caixa dois de campanha de Pezão. Ele foi coordenador da equipe do emedebista na eleição.

Pezão foi preso sob suspeita de ter recebido uma mesada de R$ 150 mil de Sérgio Cabral (MDB) quando era vice-governador (2007-2014) —repasses em datas sem relação com eleições— e liderado a arrecadação de propina do mesmo esquema corrupto do antecessor ao assumir o governo, em abril de 2014.

A Procuradoria-Geral da República pediu sua prisão preventiva sob alegação de que, solto, o governador afastado "poderia dificultar ainda mais a recuperação dos valores, além de dissipar o patrimônio adquirido em decorrência da prática criminosa" nos dois períodos. O ministro do Superior Tribunal de Justiça Félix Fischer deferiu a medida.

O pedido de prisão contra Pezão registra o pagamento de R$ 11,4 milhões feito por Álvaro Novis, operador financeiro de donos de empresas de ônibus, ao governador afastado por meio de intermediários durante sua gestão.

Desse total, R$ 9 milhões foram retirados entre junho e outubro de 2014, período em que o emedebista estava em campanha para reeleição.

As retiradas seriam feitas por Luiz Carlos Vidal Barroso, o Luizinho, assessor de Pezão. Investigadores conseguiram confirmar um encontro dele com Novis rastreando antenas de celular. Nessa reunião, em agosto de 2014, foram repassados R$ 3 milhões.

Os R$ 2,4 milhões restantes foram pagos em 2015. Desse valor, R$ 2,1 milhões não foram entregues em espécie, mas transferidos para uma conta que Hudson Braga mantinha na Transexpert, transportadora de valores também utilizada pelas empresas de ônibus para guardar dinheiro vivo.

Em sua delação premiada, Novis afirma que Braga era operador financeiro de Pezão. Por esse motivo, o repasse do dinheiro foi atribuído ao governador.

O ex-secretário, contudo, confessou no ano passado ter feito uso pessoal de sobra de caixa dois de campanha do governador afastado. Em interrogatório ao juiz Marcelo Bretas em maio de 2017, Braga disse que acumulou em sua conta na Transexpert R$ 3 milhões na arrecadação para a campanha do emedebista. O dinheiro foi usado para adquirir um empreendimento em Volta Redonda, afirmou ele.

Braga depôs como réu e não tinha, portanto, o compromisso de dizer a verdade. Na ocasião, contudo, o ex-secretário negociava uma delação premiada e buscou confessar parte dos crimes que lhe eram atribuídos para tentar uma redução na pena.

No acordo de delação pretendido, Braga relataria pagamentos a Pezão em dinâmica não revelada. Mas a negociação com a PGR não avançou.

O sistema de Novis também registra que as empresas de ônibus reservaram o pagamento de R$ 8,6 milhões ao grupo de Pezão entre abril e agosto de 2015. O dinheiro, contudo, não foi recolhido nem repassado a ninguém “por motivo desconhecido”, diz a PGR.

O pagamento das empresas de ônibus a pessoas ligadas a Pezão é o único ocorrido na sua gestão com corroboração de planilhas e arquivos com valores.

A dinâmica mostra diferenças em relação aos repasses feitos pelas empresas de ônibus a Cabral. O ex-governador recebia, segundo as investigações, uma mesada de R$ 1 milhão, com direito a bônus em momentos de decisões cruciais para o setor. Foram repassados no total R$ 122 milhões a ele, segundo o Ministério Público Federal.

O emedebista também é suspeito de ter arrecadado propina em sua gestão por meio de Marcelo Santos Amorim, seu ex-subsecretário de Comunicação. Ele cobrou, segundo a PGR, 1% das fornecedoras de alimentação para o sistema penitenciário em 2016.

O valor seria calculado com base no pagamento de dívidas do estado com essas empresas feito com recursos de um fundo do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Esse caso, porém, não conta com planilhas indicando valores pagos. É confirmado pela delação do ex-presidente do TCE Jonas Lopes Jr., seu filho, Jonas Lopes Neto,e pelo depoimento de dois empresários do setor. Todos apontam Marcelinho, como é conhecido, como cobrador de propina a mando de Pezão.

Lopes Jr. afirma que a taxa cobrada das empresas era de 15%, dos quais 10% seriam divididos entre os membros do tribunal, 4% seriam para ele próprio, e 1% para Marcelinho supostamente a mando de Pezão.

O delator informou que o ex-subsecretário lhe relatou que o percentual do governador afastado tinha como objetivo o financiamento de campanhas eleitorais. Em 2016 ocorreram as disputas municipais.

Outro dado chama a atenção em relação a este relato. O pagamento da suposta propina ocorreu no período em que Pezão estava afastado do cargo para o tratamento de um câncer —de março a novembro de 2016. Sabe-se que, mesmo sob supervisão médica, o emedebista continuou tratando de temas de governo, ainda que com menor intensidade.

É também contemporâneo à decretação de calamidade pública pelo estado em razão da crise financeira, ocorrido em julho.

A Folha revelou no sábado que o ex-diretor da União Norte Marcos Barbosa Silva afirmou que o esquema de cobrança de propina sob Pezão se alterou em relação à executada na gestão Cabral. Enquanto até abril de 2014, havia uma exigência organizada de 5%, após a entrada do governador afastado ela se tornou desestruturada, sem controle e com percentual menor (1%).

O relato contraria as suspeitas da PGR de que Pezão assumiu a liderança do mesmo esquema organizado por Cabral.

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