Temer acertou rumo da economia, mas falhou em não aprovar reformas

Gestão tirou país da recessão, mas não teve capital político para votar mudanças na Previdência

Flavia Lima
São Paulo

Na tarde de 12 de maio de 2016, ao ser empossado como presidente interino, Michel Temer disse que o seu maior desafio seria "estancar o processo de queda livre da atividade econômica que tem levado ao aumento do desemprego e à perda do bem-estar da população". O desafio se provou imenso.

O político que assumiu o governo após o impeachment de Dilma Rousseff conseguiu tirar o país da recessão e exibir indicadores econômicos positivos, como a inflação, que roda hoje abaixo da meta de 4,5%, e a taxa básica de juros, na mínima histórica.

Temer, porém, entrega a seu sucessor uma economia no processo de retomada mais lento da história —a atividade econômica está num nível 5% abaixo do pico, registrado no primeiro trimestre de 2014.

Michel Temer caminha, para a esquerda da foto, no sentido do presidente do BC, Ilan Goldfajn (à esq.). À direita, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles
Michel Temer com o presidente do BC, Ilan Goldfajn (à esq.), e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles - Alan Marques - 16.mai.16/Folhapress

Adicionalmente, a despeito das mudanças na regra trabalhista que prometiam destravar o mercado de trabalho, o contingente de desempregados saltou de 11,6 milhões no segundo trimestre de 2016 para 12,4 milhões.

A reação morosa do emprego prova que a sugestão feita pelo presidente no momento da posse foi um tanto inócua. "Não fale em crise, trabalhe", disse Temer naquela tarde.

Nove entre dez especialistas afirmam, no entanto, que a arrastada recuperação econômica tem forte vínculo com a não aprovação do que era a medida mais esperada: a reforma da Previdência.

"Temer perdeu o poder político depois da visita de Joesley ao Jaburu e falhou em avançar na consolidação fiscal. A soma disso é uma das razões para os investimentos medíocres, incapazes de acelerar a recuperação", diz Affonso Celso Pastore, sócio da consultoria AC Pastore e ex-presidente do Banco Central.

Considerada a maior lacuna da administração emedebista, a chance de alterar as regras da aposentadoria foi enterrada em maio de 2017, quando um áudio de uma conversa de Temer com o empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu foi divulgado.

Na primeira versão apresentada pela equipe econômica de Temer, a reforma das aposentadorias previa economia de cerca de R$ 800 bilhões em dez anos, tida como crucial para recompor os gastos públicos, elevar a confiança dos agentes e abrir espaço para investimentos, acelerando o crescimento.

O problema é considerado grave porque a Previdência consome metade dos gastos do governo —excluindo juros— e cresce 6% ao ano, pressionando uma conta que hoje já não fecha.

Em 2019, o país entrará no sexto ano de déficit público e a dívida bruta deve encostar nos 80% do PIB (Produto Interno Bruto), uma das maiores entre os emergentes.

Mesmo diante de números pouco vistosos, economistas e representantes do mercado financeiro e da indústria fazem um balanço, em geral, positivo do mandato de Temer.

"As condições econômicas que são transmitidas ao próximo governo são bem melhores do que ele [Temer] recebeu. Há uma agenda e uma consciência expandida dos problemas brasileiros", diz Luiz Carlos Trabuco, presidente do conselho do Bradesco.

"Nunca fui um entusiasta, como também não estou decepcionado. Foi um governo de transição e isso foi feito muito bem", diz José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas e pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas.

Para Afonso, a disposição ao diálogo foi a principal herança de Temer: "Se não conseguiu retomar o crescimento, ao menos evitou o pior".

Onde ele falhou? "Sinceramente, não consigo colocar a culpa da reação lenta da economia no governo Temer porque há elementos estruturais importantes que pesam nessa conta, como o endividamento de famílias, empresas e do próprio governo antes da crise", diz Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências.

Quando se entra em uma crise com endividamento alto, observa a economista, a trajetória de recuperação é mesmo mais lenta.

Ribeiro cita como avanços importantes obtidos a criação da taxa de longo prazo, que busca eliminar de modo gradativo os subsídios do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a revisão do marco regulatório de óleo e gás, que flexibilizou a participação da Petrobras no pré-sal, e a agenda do Banco Central com foco na eficiência do sistema financeiro.

Para parte dos especialistas, um caminho importante para evitar o aprofundamento da crise foi a equipe econômica, considerada primorosa.

Com nomes como Ilan Goldfajn, na presidência do Banco Central, e Ana Paula Vescovi, que começou o governo à frente da secretaria do Tesouro Nacional, o Brasil passou a ter uma política econômica mais racional, retomando o tripé baseado em responsabilidade fiscal, sistema de metas de inflação e câmbio flutuante, diz Maurício Oreng, economista-chefe do Rabobank, banco holandês que, no Brasil, é focado no agronegócio.

Outra trilha acertada, diz Oreng, foi a fixação de uma regra para a evolução dos gastos públicos, que deve reorganizar as contas públicas no longo prazo.

Aprovada em dezembro de 2016, a medida "muda o paradigma do administrador público que agora passa a ter que lidar com uma restrição orçamentária", diz o economista.

Entre as críticas, existe a percepção de que o controle dos gastos continuou recaindo sobre o investimento público e também sobre o orçamento de programas de suporte à ciência e tecnologia, diz Pedro Wongtschowski, presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que reúne dirigentes de empresas como Ambev, Itaú, Vale e Natura.

Para Wongtschowski, a despeito de iniciativas cruciais, como a reforma trabalhista, a indústria poderia ter se saído melhor se o canal das exportações tivesse agido com mais vigor.

"É de se lamentar que o Reintegra, que devolvia ao exportador impostos pagos e não ressarcidos no momento da exportação, tenha sido praticamente suspenso", reclama.

O outro ponto de desaprovação foi a forma como Temer reagiu à paralisação dos caminhoneiros. Os protestos travaram o país e jogaram por terra as expectativas de um crescimento econômico superior à alta de 1% do PIB registrada em 2017.

Deixar as coisas explodirem, segundo especialistas, reduziu o poder de barganha já pequeno do governo, que respondeu ao caos rodoviário de maneira inadequada, com subsídio ao diesel e uma tabela do frete, que estabeleceu um preço mínimo em tempos de baixa demanda pelo serviço.

De modo geral, 2018 não foi fácil. Lá fora, sinais de que a era de juros baixos americanos chegava ao fim começaram a emperrar o forte fluxo de investimentos estrangeiros para países emergentes como o Brasil --cenário completado pela ameaça de guerra comercial dos EUA contra a China, a derrocada argentina e incertezas eleitorais.

Olhando à frente, a expectativa é que a frustração com o crescimento econômico e as incertezas com o cenário fiscal levarão um tempo para serem radicalmente revertidas. As previsões giram em torno de um alta pouco acima de 2% para o PIB do ano que vem.

"No fim das contas, o pano de fundo é que o PIB per capita está em torno de 9% abaixo do pico, antes do início da recessão", diz Pastore.

Para Oreng, a recuperação segue gradual porque a Previdência deve ser aprovada só no segundo semestre, impedindo que o investimento se recupere de forma imediata.

Ribeiro, da Tendências, diz que está um pouco mais cautelosa em relação ao sucesso do próximo governo na questão política, embora espere uso do capital eleitoral para aprovar a reforma previdenciária. "Mas não é um cenário tranquilo. No fundo, estamos um pouco na retranca", diz.

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