Battisti vai da Bolívia direto para Roma, afirma premiê italiano

Mais cedo, governo Bolsonaro avaliava que Battisti deveria retornar ao Brasil primeiro

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Lucas Ferraz
Roma

O premiê italiano Giuseppe Conte afirmou neste domingo (13) que o terrorista Cesare Battisti será levado da Bolívia direto para a Itália. 

Em uma mensagem no Facebook, Conte disse que Battisti chegará em Roma nas próximas horas, em um voo direto de Santa Cruz de La Sierra, onde ele foi preso neste sábado (12). 

“Estamos satisfeitos com esse resultado que nosso país espera há muitos anos”, escreveu o premiê, agradecendo ao presidente Jair Bolsonaro –com quem disse ter falado– e às autoridades bolivianas. 

Segundo a imprensa italiana, a Bolívia determinou a expulsão de Cesare Battisti por ele ter entrado ilegalmente no país.

O ministro da Justiça italiano, Alfonso Bonafede, anunciou que tão logo Battisti chegue em solo italiano, previsto para o início da tarde desta segunda-feira, ele seja encaminhado para um presídio nos arredores de Roma.

Uma aeronave do governo da Itália aterrissou em Santa Cruz de la Sierra na tarde deste domingo. Será nela que o italiano voltará para casa, dando fim a uma fuga que começou em 1981, quando escapou da prisão e se refugiou na França.

Condenado por crimes de terrorismo pela participação no assassinato de quatro pessoas e atentados a bomba no final dos anos 1970, o italiano foi condenado (em diferentes instâncias da Justiça italiana) à prisão perpétua –o Supremo Tribunal Federal havia determinado que sua pena, em caso de extradição, fosse de no máximo 30 anos, seguindo o ordenamento jurídico brasileiro, mas como ele foi expulso da Bolívia, essa recomendação não será considerada pelas autoridades da Itália.

Quando a corte analisou o pedido de extradição do país, os ministros deram a última palavra no caso ao então presidente Lula –que concedeu o refúgio sob a alegação de que Battisti era um “perseguido por sua opinião política”. A decisão gerou revolta na classe política italiana, inclusive na esquerda, amplamente favorável ao cumprimento da pena.

A anunciada extradição do terrorista ocorre com a colaboração da Bolívia de Evo Morales, gesto elogiado pelo ministério do Interior comandado por Matteo Salvini, líder do partido de extrema direita Liga e um dos homens fortes do governo italiano.

O temor em Roma era que as autoridades bolivianas abrissem um processo de extradição, com a possibilidade que ele ganhasse num novo refúgio na América do Sul, o que acabou não acontecendo.

O italiano foi capturado na boliviana Santa Cruz de la Sierra por agentes brasileiros, bolivianos e italianos. Estava de cavanhaque –falso, segundo a polícia– e apresentava sinais de embriaguez. Ele estava desarmado e não apresentou resistência.

A captura de Cesare Battisti, há quase um mês foragido do Brasil, onde havia uma ordem de prisão contra ele, foi exaltada na Itália pelo governo populista de direita, pela oposição de centro-esquerda e virou um dos assuntos do domingo.

Salvini louvou a captura de Battisti e exaltou o presidente Jair Bolsonaro em seus perfis nas redes sociais —aceno prontamente retribuído pelo presidente e por um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro. Usando um de seus bordões —"è finita la pacchia", algo como a festa acabou—, o ministro italiano fez referência ainda ao fato de Battisti ser "mimado pela esquerda de meio mundo" e disse esperar que ele "termine seus dias na prisão". “Hoje é um dia de festa”, ressaltou.

Para além dos acenos nas redes, Jair Bolsonaro e Salvini também se falaram em privado. Os dois se aproximaram em setembro, durante a campanha eleitoral, quando o italiano foi a primeira autoridade europeia a declarar apoio ao brasileiro.

A fuga de Battisti da Justiça italiana começou em 1981, quando ele escapou do cárcere e se refugiou na França, onde viveu alguns anos antes de se mudar para o México. Ele voltou para Paris na década seguinte, onde viveu até 2004 protegido por uma legislação aprovada pelo governo François Mitterrand que não reconhecia a lei italiana antiterrorismo.

Naquele ano seu status de refugiado foi revertido por decisão do então presidente francês Jacques Chirac. No Brasil, onde ele foi preso em 2007 e depois receberia refúgio, sua condição também foi alterada com a mudança do governo.

Em dezembro passado, após o ministro Luiz Fux, do STF, determinar a sua prisão, o então presidente Michel Temer autorizou a sua extradição.

A TV italiana repercutiu nesse domingo o longo imbróglio judicial e diplomático do caso – com novas críticas ao ex-presidente Lula. Armando Spataro, um dos juízes que condenou Battisti no final de 1970, disse em entrevista à emissora estatal RAI que o caso é uma “página vergonhosa” na relação entre Brasil e Itália. Ele criticou a rede de solidariedade formada por intelectuais franceses e brasileiros pela liberdade de Battisti –“os intelectuais deveriam ter respeito pela verdade”, afirmou– e disse que é importante para a Justiça italiana o “cumprimento da pena, após tantos anos”.

Adriano Sabbadin, filho de um açougueiro cujo assassinato nos anos 1970 é atribuído a Battisti e seu grupo de extrema esquerda, afirmou à mesma RAI que, 40 anos depois, sua família “finalmente encerrará um capítulo penoso”.

Battisti reconhece ter feito parte do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos grupos responsáveis pelos crimes do período conhecido como “anos de chumbo”, entre os anos 70 e 80 –período democrático em que o governo eleito enfrentou grupos armados de direita e esquerda.

O italiano, contudo, nega os crimes e diz ser vítima de uma perseguição, sendo condenado à revelia por uma delação premiada firmada por um antigo companheiro do PAC.

 

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Qual a decisão da Justiça?

Cesare Battisti era considerado foragido desde o dia 14 de dezembro. No dia anterior, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux havia determinado de modo monocrático a prisão do italiano, após pedido da Procuradoria-Geral da República.

Governo decide extraditar

A decisão de Fux abriu caminho para o então presidente Michel Temer revogar, no dia 14, a condição de refugiado do italiano e assinar o decreto de sua extradição. Battisti vivia em liberdade no Brasil desde 2010. Em sua decisão, Fux afirmou que o STF já assentou que “o entendimento de que o juízo exercido pelo chefe de Estado no tocante à extradição [...] não se sujeita à análise pelo Poder Judiciário”.
 

O que ocorre agora?

Preso na Bolívia neste sábado, Battisti agora enfrentará um dos três cenários: 
 1) fica na Bolívia, caso o país negue sua extradição; 
 2) é extraditado diretamente para a Itália
 3) é enviado para o Brasil e, em seguida, pode ser extraditado para a Itália pelo governo Bolsonaro.

 

CRONOLOGIA

Década de 1970
Envolve-se com grupos de luta armada de extrema esquerda.

Década de 1980
Foge da Itália e passa a maior parte do tempo no México. É condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, acusado de quatro homicídios.

Década de 1990
Exila-se em Paris (França), protegido por legislação do governo Mitterrand.

2004
Sem Miterrand, França aprova extradição para Itália; foge em direção ao Brasil, onde vive clandestino.

2007
É preso no Rio.

2009
Ministério da Justiça dá a ele status de refugiado político. STF aprova extradição, mas condiciona decisão ao presidente da República.

2010
Lula, então presidente, decide pela permanência de Battisti no Brasil.

2011
STF valida decisão de Lula, e Battisti é solto. Governo concede visto de permanência a ele.

2017

  • Em setembro, defesa entra com habeas corpus preventivo no STF para evitar extradição. Caso fica sob relatoria de Luiz Fux.
  • No começo de outubro é detido em Corumbá (MS) por evasão de divisas e, dias depois, recebe habeas corpus.
  • Temer decide extraditá-lo, mas espera decisão do STF sobre o habeas corpus. Fux concede liminar impedindo a extradição até que a corte decida sobre o habeas corpus.
  • Em dezembro, Battisti se torna réu no caso da evasão de divisas.

2018
Em novembro, o ministro do STF Luiz Fux conclui análise sobre habeas corpus e pede que caso seja levado ao plenário. No mês seguinte, porém, decide de forma monocrática pela prisão.

2019
No dia 12 de janeiro, o terrorista é preso na Bolívia.

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