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Felipe Bogado Leite

Impor autorização judicial significa acabar com essência do Coaf

Defesa de Flávio Bolsonaro tenta deslegitimar eficiente instrumento de combate à lavagem de dinheiro

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Felipe Bogado Leite

Em 1998 a lei 9.613 passou a dispor sobre os crimes de lavagem de dinheiro. Não por coincidência a mesma lei criou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tendo dentre as finalidades a identificação das ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.

O artigo 11 da lei em questão estipula que bancos, casas de câmbio, seguradoras e diversas outras instituições devem comunicar ao Coaf a ocorrência de algumas transações potencialmente suspeitas. Já o artigo 15 estipulou que o Coaf deve comunicar às autoridades competentes a existência de fundados indícios da prática de crimes de lavagem de dinheiro ou de qualquer outro ilícito.

E assim tem ocorrido desde então. Embora com uma equipe enxuta, o Coaf tem sido um grande aliado dos órgãos de investigação para a instrução das apurações sobre lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, entre outros crimes. Inúmeras fases da Operação Lava Jato utilizaram as informações fornecidas pelo Coaf para nortear o “follow the money” ou corroborar outros indícios. O atual ministro da Justiça, sem dúvida, conhece a importância desses relatórios.

Importante registrar também que o órgão de inteligência financeira não é exclusividade ou invencionice do Brasil. Há inclusive uma organização intergovernamental, criada para desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo: o GAFI (FATF em inglês), que conta com 38 países membros.

Agora, entretanto, a defesa do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) tenta deslegitimar esse eficiente instrumento de combate à lavagem de dinheiro, sob a alegação de violação do sigilo bancário de seu cliente. Nada mais absurdo.

Ora, o Coaf foi criado por lei, que até agora não teve sua constitucionalidade questionada. Da mesma forma o dever de comunicar movimentações suspeitas. Aliás, um dos primeiros atos do pai de Flávio Bolsonaro ao assumir a Presidência da República foi a edição do decreto 9.663, de 2019, que aprovou o novo estatuto do Coaf.

Nele ficou mantida a previsão de que o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a Superintendência de Seguros Privados, a Polícia Federal, a Abin, dentre outros, prestarão as informações e a colaboração necessárias ao cumprimento das atribuições do Coaf.

Em nenhum momento há menção à reserva de jurisdição. Ou seja, não se exige a autorização judicial para a prestação dessas informações e tampouco para as comunicações do Coaf às autoridades competentes. Com efeito, o inciso III do artigo 10 da lei 9.613 foi alterado em 2012 justamente para extirpar eventuais alegações nesse sentido.

Veja-se que os relatórios do Coaf não equivalem, nem de longe a uma quebra de sigilo bancário. Pelo contrário, apenas constam deles movimentações suspeitas. Ou seja, se não há movimentação suspeita, o relatório resultará em nada consta. E havendo, para que se avalie se aquelas movimentações suspeitas específicas são lícitas ou ilícitas, aí sim é requerido judicialmente o afastamento do sigilo bancário, através do qual todas as transações bancárias são informadas ao órgão de investigação.

Portanto, pretender impor ao Coaf a necessidade de autorização judicial para a transmissão de informações significa acabar com a própria essência do Coaf e tornar nulos todos os relatórios até então fornecidos. Inclusive os da Lava Jato.

Felipe Bogado Leite, procurador da Republica, é membro da Força Tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro

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